EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINAR. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES (JUSTA CAUSA). NÃO DEMONSTRAÇÃO. TIROCÍNIO POLICIAL. SUBJETIVISMO. ILEGALIDADE. ENTRADA EM DOMICÍLIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE FUNDADAS RAZÕES. PROVAS ILÍCITAS. ÔNUS PROBATÓRIO. ÓRGÃO ACUSADOR. NULIDADE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE PROVA QUE EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DE CRIME. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. 1. Em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal, para que seja autorizada busca pessoal sem mandado judicial, exige-se a presença de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2 No caso em tela, a abordagem policial se deu por suposto “nervosismo” e por suposta evasão após aproximação da polícia, o que não ficou concretamente e analiticamente demonstrado, haja vista o depoimento desarmônico e inverossímil dos policiais militares responsáveis pela abordagem. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, assentou que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 4. Observando-se que não foi apresentada justificativa ou fundadas razões que autorizem o ingresso dos policiais militares no imóvel (local de trabalho) do agente, assim como não houve demonstrada a licitude da busca pessoal, impõe-se o reconhecimento da nulidade das drogas apreendidas ao local e, consequentemente, sua absolvição nos termos dos arts. 156, caput, e § 1º c/c 386, II, ambos do Código de Processo Penal. 5. Corolário do Princípio da Dignidade Humana, em razão da Decisão extintiva da punibilidade, por ausência de justa causa, reconhece-se o Direito ao Esquecimento. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E PROVIDA. Nº 5245058-69.2023.8.09.0051.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5245058-69.2023.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
APELANTE: JASLEI DIAS DA COSTA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR: DENIVAL FRANCISCO DA SILVA
Juiz Substituto em 2º Grau
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso.
Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por JASLEI DIAS DA COSTA contra a Sentença que o condenou como incurso na prática do crime previsto no art. 12, caput, da Lei nº 10.826/2003, à pena de 01 (um) ano de detenção, em regime aberto, mais ao pagamento de 10 (dez) dias-multa e, sendo substituída por 01 (uma) pena restritiva de direito consistente em prestação de serviços à comunidade.
Irresignado, o Apelante postula, em preliminar: a) nulidade da busca pessoal e ingresso em domicílio. No mérito, busca: c) absolvição do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido ante a falta de provas.
FALTA DE JUSTA CAUSA À ABORDAGEM pessoal. ILEGALIDADE. TIROCÍNIO POLICIAL. SUBJETIVISMO. ENTRADA EM DOMICÍLIO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE MANDADO OU HIPÓTESE JUSTIFICADORA. ÔNUS NÃO DESINCUMBIDO PELA ACUSAÇÃO. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA REFORMADA.
Analisando-se as provas coletadas, não há motivos concretos e seguros, aptos a evidenciar a justa causa para a abordagem policial e, consequente, busca pessoal, nos termos do art. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal.
Conforme se vê da prova tomada em sede judicial, o Policial Militar Cristiano Chaves Pereira Dias narrou:
[…]Que estavam em patrulhamento no Jardim Bela Vista quando viram um caminhão saindo de um depósito cheio de pneus de caminhão daqueles grandes; que quando viu a viatura o Jaslei acelerou; que foram atrás dele e abordou; que foi realizada a busca pessoal e não foi encontrado nada; que perguntou a Jaslei a respeito da nota fiscal dos pneus; que Jales falou que não tinha nota fiscal e não sabia a procedência dos pneus; que perguntou a ele se de onde ele saiu tinha mais pneus e ele falou que tinha; que voltaram no depósito e encontraram mais alguns pneus e dentro da escrivaninha foi encontrado duas armas de fogo, uma .22 com munição e uma calibre 556, dentro da escrivaninha, dentro do depósito do escritório; que foram em outro cômodo onde acharam vários pés de maconha seco pronto para o consumo; que o Jaslei pegou; que o Jaslei disse que um rapaz usava droga como meio medicinal; que pegaram a droga, o Jaslei e o motorista e conduziram para a delegacia; que a receita federal multou o Jaslei porque ele não tinha nota fiscal dos pneus; que não se recorda se tinha balança de precisão; que foram até o local para averiguar os pneus e encontraram a droga; que Jaslei disse que como tudo estava no depósito dele então que ele iria assumiu a propriedade de tudo; que não sabe se Dionathan estava dirigindo o caminhão; que acha que abordaram Dionathan dirigindo o caminhão; que não se recorda se no dia Dionathan falou se a droga era dele ou não; que no momento da abordagem só tinha um no caminhão; que o Jaslei foi no depósito depois; que a pessoa que foi abordada no caminhão falou que o depósito era do Jaslei e entrou em contato com ele; que o rapaz que estava no caminhão viu a viatura e acelerou rápido; que abordaram o caminhão por causa dessa atitude e perguntaram sobre a nota fiscal; que não se recorda quantos quarteirões para frente abordaram o caminhão.
Em contrapartida, a Testemunha e Policial Militar Jurandir Souza de Jesus, em sede de audiência de instrução e julgamento, aduziu:
[…]Que se recorda dos fatos; que em patrulhamento na região avistaram um caminhão saindo de um estacionamento; que o indivíduo avistou a viatura e ficou meio apreensivo; que realizaram o acompanhamento e em momento oportuno que o indivíduo estava trafegando realizaram a abordagem; que o indivíduo estava sem nota; que deslocaram até o depósito para verificar se ele conseguiria a nota e durante a busca no local foi localizado em uma gaveta uma arma de fogo calibre .22 e uma arma de pressão; que no quarto da frente foi localizado uma sacola com maconha; que parece que a droga era para tratamento medicinal; que não lembra quem estava dirigindo o caminhão; que pelo que se recorda o proprietário do depósito não mostrou a nota fiscal e não conseguiu constatar se os pneus era produto e roubo ou furto; que a arma de fogo um lá no local se prontificou, que pelo que se recorda não era o dono do depósito; que a maconha era de um terceiro que ia se prontificar mas não lembra se ele se prontificou; que conduziram todos para a delegacia; que não se recorda do terceiro que foi na delegacia; que não se recorda se esse terceiro estava no local; que o dono do depósito ficou de apresentar a nota para o Ministério da Fazenda; que no local teve um indivíduo que se responsabilizou sobre a arma mas não lembra quem é; que no local não tinha evidência sobre tráfico de drogas; que no momento da abordagem só tinha uma pessoa no caminhão; que o que chamou a atenção foi o comportamento do motorista; que perceberam a atitude de apreensão por parte do condutor, que teve uma postura inesperada de comportamento; que o motorista não tentou evadiu e nem acelerou o caminhão; que o indivíduo deixou entrar no depósito; que pelo que se recorda ele não residia no local; que na verdade não se recorda se residia ou não.
Na mesma oportunidade, a Testemunha Arrolada pela Defesa, Paulo Sérgio Gomes Caldas, patrão dos processados, alegou:
[…]Que Dionathan e Jaslei trabalham para ele; que o depósito é seu; que o policial te ligou no momento dos fatos e ele foi; que quando chegou lá recebeu voz de prisão; que o policial te falou que tinha arma e droga no galpão; que foram para delegacia e viu que tinha uma espingarda desmontada do Jaslei porque ele gosta de pescar mas que nem sabia que isso estava no seu lote; que a droga que era para fins medicinais também não sabia que estava no galpão porque estava viajando e pediu para os meninos tirarem os objetos de lá; que os pneus eram seus, pagou a multa e retirou eles da delegacia; que Dionathan não traficava droga no local, ele é só usuário; que ele trabalha, tem residência fixa, esposa e filhos, mas que ele é usuário mesmo.
Na sequência, o Denunciado Dionathan Freitas de Jesus, em sede judicial, afirmou:
[…]Que é motorista; que é viciado só em maconha; que já respondeu TCO por usuário mas nunca foi processado por outro crime; que a acusação não é verdadeira porque nunca vendeu droga; que Jaslei chegou da Bahia dizendo que tinha sido picado por uma cobra e que alguém arrumou a folha pra ele passar com álcool e por isso ficou de arrumar algumas sementes para ele; que plantaram lá mas se tirasse tudo que iam usar não dava nem trezentas gramas; que iam usar só as folhas e os galhos iriam jogar fora; que aproveitou e estava fumando mas que não era nada para tráfico; que Jaslei tinha uma arma de pressão e a outra arma vivia jogada lá; que a oficina antes era de outra pessoa e quando foram pra lá encontraram essa arma jogada e eles pegaram ela para reutilizar o cabo na outra porque ela é mais bonita; que não tinha munição; que não estava no momento da abordagem do Jaslei e nem no galpão; que já foi direto para a Central de Flagrantes quando te ligaram.
Por fim, o Acusado Jaslei Dias da Costa, em sede de interrogatório perante o Juízo, negou a propriedade das armas, aduzindo:
[…]Que os policiais encontraram ele na rua com os pneus; que os policiais obrigaram ele a entregar o celular e que ele não quis dar; que os policiais te levaram em casa e que chegou lá tinham dois pm; que ele fica no depósito; que as armas não estavam com ele; que os policiais vasculhando o depósito acharam essas armas num entulho; que a arma está lá tem é tempo; que os policiais ficou perguntando e ele teve que assumir; que não tinha munição lá; que o policial foi no carro dele e pegou a munição da calibre .22; que já tinha varrido lá tudinho; que o policial pegou a munição no carro dele e testou e coube essa munição dentro da arma; que tem uma arma de pressão que tem documento e tem tudo e juntaram elas e disse que ele tinha que assumiu tudo porque estava no estabelecimento dele; que na pressão assumiu tudo mas que a arma não era dele; que nem sabe como eles conseguiram montar a arma porque ela estava toda desmontada e espalhada lá; que a droga nasceu no lote e tiraram e colocaram para secar; que usou da droga pra passar na perna porque ele foi mordido por uma cobra; que usou a maconha no álcool; que foi o que curou sua perna; que não correu quando a viatura acionou; que os policiais acionaram a sirene; que encontrou o caminhão e parou; que os policiais perguntaram dos pneus e pediram o seu celular; que disse que não ia entregar o celular porque era de seu uso pessoal; que o policial pediu o celular de novo e quando ele foi pegar o celular no caminhão o policial disse que se ele não entregasse o celular o companheiro dele ia lhe dar um tiro; que questionou o policial se ia levar um tiro só por causa de um celular.
Em face destes elementos probatórios tomados, percebe-se notória contradição e vagueza nos depoimentos policiais, além de não ter sido demonstrada a regularidade da abordagem ao suspeito narrado à Denúncia, maculando-se, não só a busca pessoal, mas também, o ingresso em domicílio (depósito) e captura dos armamentos e das drogas no local averiguado.
Com efeito, é de se destacar que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, fixou diretrizes para se efetuar a busca pessoal, sob pena de reconhecimento da ilegalidade do ato e consequentemente a nulidade das provas obtidas em face de tal procedimento. Confira-se:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE #ATITUDE SUSPEITA#. INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) # baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto # de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à #posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito#. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como #rotina# ou #praxe# do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. 3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de #fundada suspeita# exigido pelo art. 244 do CPP. 4. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos # independentemente da quantidade # após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento #fundada suspeita de posse de corpo de delito# seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. 5. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência. 6. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos e concretos para a realização de busca pessoal # vulgarmente conhecida como #dura#, #geral#, #revista#, #enquadro# ou #baculejo# #, além da intuição baseada no tirocínio policial: a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora # mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre #, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes; b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis; c) evitar a repetição # ainda que nem sempre consciente # de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural. […]. 15. Na espécie, a guarnição policial "deparou com um indivíduo desconhecido em atitude suspeita" e, ao abordá-lo e revistar sua mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu interior, do que resultou a prisão em flagrante do recorrente. Não foi apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no recorrente além da vaga menção a uma suposta #atitude suspeita#, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 16. Recurso provido para determinar o trancamento do processo. (STJ. RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.) (grifei).
No caso em tela, denota-se que os Policiais Militares não esclareceram, para além do subjetivismo humano, a razão pela qual o Acusado deveria ser abordado.
O que se vê, a rigor, é que foi utilizado do mero tirocínio policial para a busca pessoal, porém, sem elencar critérios objetivos que autorizassem tal circunstância, impossibilitando-se, assim, a devida sindicância do ato pelo Poder Judiciário.
Veja que os depoimentos judiciais dos Policiais Militares não colacionaram circunstâncias materiais específicas capazes de esclarecer qual a fundada suspeita de que o Acusado estivesse portando arma ou objetos ilícitos.
Não bastasse isso, tais depoimentos são desarmônicos e incompletos, posto que não colacionam detalhes sobre a abordagem. Nessa medida, enquanto um Policial afirmou que o agente tentou fugir, o outro não se recordou se tentou fugir, tampouco tem certeza concreta de como se deu a abordagem no depósito, e qual foi o papel de cada processado nos fatos.
De toda sorte, a despeito da controvérsia fática sobre os pressupostos que autorizem a busca pessoal ao Acusado cumpre destacar que, a abordagem policial, por esbarrar no direito à intimidade, para que possa ser devidamente mitigada, deve preceder a elementos concretos, sérios, precisos e fidedignos – que sejam aferíveis objetivamente –, de modo a autorizar a busca pessoal, nos termos do art. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal.
Sob este respeito, veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS (55 G DE COCAÍNA E 10 G DE MACONHA). VERIFICADA A PRESENÇA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. BUSCA VEICULAR. ABORDAGEM POLICIAL SEM A APRESENTAÇÃO DE FUNDADAS RAZÕES. SUPORTE NA INCAPACIDADE DE VISUALIZAÇÃO DOS OCUPANTES DO VEÍCULO, QUE ESTAVA COM VIDROS COBERTOS POR PELÍCULA ESCURA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO DOS AGRAVADOS QUE SE IMPÕE. 1. Não se desconhece que a abordagem policial decorre do poder de polícia inerente à atividade do Poder Público que, calcada na lei, tem o dever de prevenir delitos e condutas ofensivas à ordem pública (HC n. 385.110/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 14/6/2017), contudo, in casu, tem-se que não foi demonstrada a necessária justa causa, apta a demonstrar a legalidade da abordagem perpetrada. 2. Não houve a colação de argumentos válidos para justificar a busca e apreensão. Da denúncia extrai-se que os policiais militares realizavam patrulhamento de rotina pela mencionada via pública quando avistaram, próximo a residência de n. 120, um veículo VW/Gol, placas ATC8603, com vidros cobertos por película escura e resolveram realizar abordagem, pois não era possível visualizar os ocupantes (fl. 65). Destaca-se que a busca se deu às 22h00, horário que se reputa normal. 3. Jurisprudência da Sexta Turma: Nos termos do art. 240, § 2º, do CPP, para a realização de busca pessoal pela autoridade policial, é necessária a presença de fundada suspeita no sentido de que a pessoa abordada esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito. [...] No caso, os policiais faziam patrulhamento de rotina na região, ocasião em que visualizaram o paciente, o qual demonstrou nervosismo ao avistar a viatura policial. Foi então realizada a sua abordagem policial em local público, e, na busca pessoal, foi localizada em seu poder a arma de fogo que o acusado portava sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. [...] Considera-se ilícita a busca pessoal e domiciliar executada sem a existência da necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. 240 do CPP, bem como a prova dela derivada, não sendo razoável considerar que o nervosismo do acusado ao avistar a autoridade policial, por si só, enquadre-se na excepcionalidade da revista pessoal ocorrida em seguida. [...] Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, devendo ser o paciente absolvido em relação ao delito de porte de arma de fogo de uso permitido (HC n. 714.749/SP, Ministro Olindo Menezes, Desembargador Convocado do TRF 1ª Região, Sexta Turma, DJe 7/4/2022). 4. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no REsp n. 1.996.290/PR. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023.) (grifei).
Sob esta ótica, percebe-se que a assertiva de que houve atitude suspeita uma vez que o Apelante demonstrou nervosismo ao visualizar a viatura policial não se mostra suficiente para justificar a ação invasiva da polícia militar, merecendo-se, portanto, o reconhecimento da nulidade do ato estatal, porquanto violado o direito constitucional à intimidade, notadamente porque não demonstrado situação excepcional e justificante, nos termos do art. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal.
Não sendo isso suficiente, tem-se que há fundada controvérsia quanto ao adentramento dos policiais à residência do Acusado. Isso porque, em sede jurisdicional, os militares disseram que o Acusado autorizou a entrada, fato este não comprovado em Juízo.
Dessa forma, o Órgão acusador não demonstrou a origem lícita e regular da abordagem policial ao Acusado, tampouco da preexistência de situação que justificasse ao adentrado ao imóvel.
Percebe-se, assim, que o adentramento no imóvel não foi precedido de justificativa idônea e concreta, apta a permitir a inferência, no contexto da técnica processual penal, que no interior do imóvel haveria entorpecentes e munições de arma de fogo.
Tampouco houve diligências policiais prévias ou mandado judicial de busca e apreensão, ou ainda, a configuração das exceções constitucionais, capazes de permitir a entrada dos castrenses em imóvel alheio.
No ponto, é válido ressaltar que a Constituição Federal erige como direito fundamental ao cidadão a inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI, da Constituição Federal de 1988), não sendo lícito seu desrespeito a qualquer preço. Excepcionalmente, contudo, quando houver razões expressas e justificadas, haverá a mitigação da referida garantia, e com isso, o adentramento em domicílio alheio sem qualquer desrespeito ao mandamento constitucional.
É nesse sentido, aliás, que o Supremo Tribunal Federal já pacificou a matéria, através do Recurso Extraordinário 603.616/RO (Tema 280), com Repercussão Geral reconhecida, o qual fixou a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, a situação de flagrante delito no interior do imóvel, sob pena de nulidade dos atos praticados. Confira-se o julgado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (STF. RE 603616, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016) (grifei).
Não menos diferente, o Superior Tribunal de Justiça também conferiu interpretação a respeito do tema, complementando que cabe ao Estado acusador demonstrar a justa causa para entrada forçada em domicílio, sendo certo que, deve a polícia realizar diligências prévias ou obter mandado judicial para entrada no imóvel, sob pena de acarretar a nulidade da diligência efetuada. Veja-se:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. DILIGÊNCIA REALIZADA NO DOMICÍLIO DO RÉU SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES NÃO VERIFICADAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. RECURSO PROVIDO. 1. A Sexta Turma, ao revisitar o tema referente à violação de domicílio, no Habeas Corpus n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, fixou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude 'suspeita', ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado. 2. No presente caso, o ingresso forçado na casa, onde foram apreendidas as drogas, não se sustenta em fundadas razões extraídas da leitura dos documentos dos autos. Isso, porque a diligência apoiou-se em meras denúncias anônimas e no fato de serem encontradas em poder do acusado algumas porções de drogas, circunstâncias que não trazem contexto fático que justifique a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial. 3. Recurso provido para anular as provas decorrentes do ingresso desautorizado no domicílio e as delas derivadas. (STJ. RHC n. 169.942/MA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 11/11/2022.) (grifei).
Dessa forma, não sendo observada a causa provável, capaz de autorizar a busca pessoal, assim como ao adentramento em sua residência (local de trabalho), mediante campanas, serviço de inteligência, prévias diligências em decorrência de denúncia anônima, tem-se que o ato policial é ilegal.
Muito menos, não há demonstrado, de forma categórica e contundente a autorização formal ou através de filmagem, que respaldem os policiais adentrarem ao imóvel.
Em decorrência disso, conforme prevê o art. 157, caput e § 1º, do Código de Processo Penal, a prova ilícita por violação a direito material torna-se nula e, por consequência, acarreta a inadmissibilidade de todas as que dela se originam.
Consequentemente, desconsiderando-se os elementos probatórios colhidos em fase pré-processual, inerentes à ação policial, tem-se, assim, que inexistem provas a respeito da suposta traficância do Apelante, de sorte que a pretensão estatal resta totalmente improcedente.
Nesse sentido, confira-se o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE PROCESSUAL. ILICITUDE DAS PROVAS. BUSCA PESSOAL. ATITUDES SUSPEITAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIOS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. OFENSA AO ARTIGO 5º, INCISO XI, CF/88. ABSOLVIÇÃO. 1. Um processo penal efetivamente garantidor deve trazer ínsita a certeza de que ao acusado, apesar do crime supostamente praticado, deve ser garantido o usufruto de seus direitos previstos especialmente na Constituição Federal/88. 2. Revelam-se inadmissíveis os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita. PARECER DESACOLHIDO. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS PARA ABSOLVER OS APELANTES EM RAZÃO DA NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. (TJGO. Apelação Criminal 0032449-59.2020.8.09.0074. Rel. Des(a). DESEMBARGADORA CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA. 2ª Câmara Criminal. DJe de 07/11/2022) (grifei).
RECURSO DE APELAÇÃO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DE VIOLAÇÃO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE AO DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ABSOLVIÇÃO. 1. Ocorre nulidade por violação de domicílio quando agentes públicos adentram à residência, sem autorização, mormente pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação. 2. Sem provas lícitas da materialidade do crime, a absolvição é medida imperiosa. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. PREJUDICIALIDADE DOS DEMAIS PLEITOS RECURSAIS. (TJGO.Apelação Criminal 0264098-03.2013.8.09.0107. Rel. Des(a). Wilson da Silva Dias. 1ª Câmara Criminal. DJe de 01/11/2022) (grifei).
Logo, diante da nulidade das provas obtidas nos autos, tem-se que inexistem prova da materialidade dos crimes ora imputados ao Acusado, de sorte que, sua absolvição é medida necessária, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal.
DIREITO AO ESQUECIMENTO.
Em razão da absolvição, não se pode refluir ao Apelante nenhum efeito negativo, devendo ser, neste sentido, apagados todos os dados junto as Agências do Sistema Penal, e em Juízo, em relação aos fatos que a ele foram imputados na Ação Penal que culminou neste Recurso. Tal medida implica no “Direito ao Esquecimento” e que decorre do Princípio da Dignidade Humana (art. 1º, III, CF), eixo vetor do paradigma Democrático reestabelecido com a Constituição de 1988.
Quanto a isto, é salutar destacar que o cunho mandamental do texto Constitucional não deixa dúvidas quanto a premência na preservação de Direitos Fundamentais e, porquanto, da necessidade de apagamento de todas as informações negativas atribuídas ao indivíduo ao qual se imputou prática criminosa, uma vez expedido edito absolutório (lato sensu). A toda evidência, a preservação de referidos dados nas plataformas do Sistema Penal e nos arquivos do Judiciário, trará inevitáveis dissabores e prejuízos àquele que tem ali mantidos indevidamente informações sobre fatos pelos quais teve superada a questão, e por algum motivo, extinta a pretensão punitiva.
Ademais, ainda que desnecessário pela afirmação do conteúdo do Direito a que merece proteção, ante a ausência de legislação infraconstitucional, mirando detidamente à matéria, em face da amplitude que se deve dar aos Direitos Fundamentais, neste particular por expressa determinação do art. 5º, § 2º, 1ª parte, da Constituição Federal, e mais, a teor do disposto no art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto nº 4.657/1942, atualizado pela Lei nº 12.376/2010), tem-se como aporte no Direito Internacional, o Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, normativa específica sobre o Direito ao Esquecimento e que, apôs ampla exposição de motivos, cujo item de interesse (65) e seu art. 17º que merecem ser transcritos:
[...]
(65) Os titulares dos dados deverão ter direito a que os dados que lhes digam respeito sejam retificados e o «direito a serem esquecidos» quando a conservação desses dados violar o presente regulamento ou o direito da União ou dos Estados-Membros aplicável ao responsável pelo tratamento. Em especial, os titulares de dados deverão ter direito a que os seus dados pessoais sejam apagados e deixem de ser objeto de tratamento se deixarem de ser necessários para a finalidade para a qual foram recolhidos ou tratados, se os titulares dos dados retirarem o seu consentimento ou se opuserem ao tratamento de dados pessoais que lhes digam respeito ou se o tratamento dos seus dados pessoais não respeitar o disposto no presente regulamento.
Artigo 17º
Direito ao apagamento dos dados («direito a ser esquecido»)
1. O titular tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento dos seus dados pessoais, sem demora injustificada, e este tem a obrigação de apagar os dados pessoais, sem demora injustificada, quando se aplique um dos seguintes motivos:
Os dados pessoais deixaram de ser necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento;
[...]
d) Os dados pessoais foram tratados ilicitamente; (negritei)
(UE. PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016. Jornal Oficial da União Europeia. 4.5.2016 [PT]. Disponível em: . Pesquisa em 14 nov 2023.)
Diante disso tudo, no âmbito nacional, tem-se o reconhecimento desta Garantia, podendo ser destacado o Enunciado 531 do Conselho da Justiça Federal - A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento – e o julgado do STJ no REsp 1334097, da Relatoria do Ministro Jorge Mussi, de 2021, e embora extensa sua Ementa, merece aqui transcrição de alguns trechos bem elucidativos:
[...]
12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito comparado.
[...]
14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.
15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas.
16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. (negritei)
(STJ. REsp 1334097. Relator Ministro Jorge Mussi. Publicação no DJe/STJ nº 3161 de 04/06/2021. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=128225870&num_registro=201201449107&data=20210604&data_pesquisa=20210604&formato=PDF&componente=MON>. Pesquisa em 14 nov 2023.
Diante destas considerações, e reconhecendo a existência do Direito ao Esquecimento, como decorrência do Princípio da Dignidade, de ofício, determino sejam apagados todos os registros junto as Agências do Sistema Penal no Judiciário, em relação aos fatos imputados ao Apelante.
Para tanto, caberá ao Juízo de Origem tomar as providências necessárias para o cumprimento desta Decisão, oficiando-se às respectivas Agências Penais para atendimento desta determinação, bem ainda, fazendo cumprir junto à Escrivania ou Unidade Administrativa sob sua jurisdição, o mandamento de baixa nos dados de seu controle, de modo a não remanescerem registros negativos ao Sentenciado, em relação aos fatos que a ele foram imputados na Ação Penal, donde adveio o presente Recurso.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, desacolhendo o parecer Ministerial de Cúpula, CONHEÇO do Apelo e DOU-LHE PROVIMENTO para declarar a nulidade das provas colhidas a partir da abordagem pessoal e as encontradas no domicílio do apelante e, assim, absolvê-lo, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, implementando-lhe o Direito ao Esquecimento, por estes e seus próprios fundamentos.
É como voto.
Goiânia, data da assinatura eletrônica.
DENIVAL FRANCISCO DA SILVA
Juiz Substituto em 2º Grau
Relator
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5245058-69.2023.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
APELANTE: JASLEI DIAS DA COSTA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR: DENIVAL FRANCISCO DA SILVA
Juiz Substituto em 2º Grau
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINAR. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES (JUSTA CAUSA). NÃO DEMONSTRAÇÃO. TIROCÍNIO POLICIAL. SUBJETIVISMO. ILEGALIDADE. ENTRADA EM DOMICÍLIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE FUNDADAS RAZÕES. PROVAS ILÍCITAS. ÔNUS PROBATÓRIO. ÓRGÃO ACUSADOR. NULIDADE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE PROVA QUE EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DE CRIME. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. 1. Em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 240, § 2º e 244, ambos do Código de Processo Penal, para que seja autorizada busca pessoal sem mandado judicial, exige-se a presença de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2 No caso em tela, a abordagem policial se deu por suposto “nervosismo” e por suposta evasão após aproximação da polícia, o que não ficou concretamente e analiticamente demonstrado, haja vista o depoimento desarmônico e inverossímil dos policiais militares responsáveis pela abordagem. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, assentou que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 4. Observando-se que não foi apresentada justificativa ou fundadas razões que autorizem o ingresso dos policiais militares no imóvel (local de trabalho) do agente, assim como não houve demonstrada a licitude da busca pessoal, impõe-se o reconhecimento da nulidade das drogas apreendidas ao local e, consequentemente, sua absolvição nos termos dos arts. 156, caput, e § 1º c/c 386, II, ambos do Código de Processo Penal. 5. Corolário do Princípio da Dignidade Humana, em razão da Decisão extintiva da punibilidade, por ausência de justa causa, reconhece-se o Direito ao Esquecimento. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E PROVIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os integrantes da Segunda Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão presencial, à unanimidade de votos, desacolhendo o parecer ministerial de Cúpula, em conhecer e prover a Apelação Criminal, nos termos do voto do relator, proferido no extrato da ata de julgamento.
Votaram com o Relator o Desembargador Sival Guerra Pires e o Dr. Gustavo Dalul Faria – Juiz Substituto em 2º Grau, em substituição ao Desembargador Ivo Favaro.
Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Adegmar José Ferreira.
Procuradoria-Geral de Justiça representada conforme extrato da ata.
Assinado e datado digitalmente.
DENIVAL FRANCISCO DA SILVA
Juiz Substituto em 2º Grau
Relator
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