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Paulo Castro & Advogados 

Protegendo seus direitos com integridade e dedicação

RAZÕES DE APELAÇÃO - ART. 33 LEI 11343/2006

  • Foto do escritor: PAULO CASTRO
    PAULO CASTRO
  • 5 de fev.
  • 29 min de leitura

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Atenciosamente,

 

Paulo Castro, advogado criminalista

(62) 9 9357-8231

Av. C-4, Ed. Terra Mundi Office, Sala 1305-A , Jardim América, Goiânia-GO

 

 

 


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AO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

Processo nº: Apelante: J Apelado: Ministério Público do Estado de GoiásOrigem: Vara Criminal da Comarca de Juízo a quo: 

CÂMARA CRIMINAL

RELATOR: DES.

Advogado:

 

PAULO CASTRO, advogado regularmente inscrito na OAB/GO sob o nº XXXXXX, constituído nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 593, I, do Código de Processo Penal, interpor o presente RECURSO DE APELAÇÃO, contra a sentença condenatória proferida pelo juízo a quo, que condenou o recorrente pelo crime do artigo 33, §4° da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas), fixando pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direitos.

Dessa forma, requer o recebimento do presente recurso, com a devida intimação do recorrido para contrarrazões e, após as formalidades legais, o encaminhamento dos autos à 2ª Câmara Criminal do TJGO para conhecimento e provimento.

 

 

Termos em que,

Pede e espera deferimento.

                                                                                                

Goiânia, 5 de fevereiro de 2025 .

 

(assinatura digital)

Paulo Castro

Advogado

OAB/GO XXXXXX


 

RAZÕES DE APELAÇÃO

 

Processo nº: Apelante: J Apelado: Ministério Público do Estado de GoiásOrigem: Vara Criminal da Comarca de Juízo a quo: 

CÂMARA CRIMINAL

RELATOR: DES.

Advogado:

 

 

 

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

Colenda Câmara,

Douto Procurador de Justiça.

 

 

A respeitável sentença proferida pelo juízo a quo não merece prosperar, pois a condenação do recorrente foi baseada em provas ilícitas, ferindo direitos e garantias fundamentais. A sentença ignorou nulidades evidentes desde a abordagem policial e, por consequência, todas as provas obtidas devem ser consideradas ilícitas.

Assim, a presente apelação busca a absolvição do recorrente, seja pela ausência de justa causa para a ação penal, seja pelo reconhecimento da nulidade das provas utilizadas para a condenação. Subsidiariamente, requer-se a desclassificação da conduta para porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei 11.343/06).

 

Síntese Fática E Processual

Fulano de Tal foi condenado em primeiro grau à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, pela suposta prática de tráfico de drogas (art. 33, §4° da Lei 11.343/06).

A condenação se baseou em prova exclusivamente policial, oriunda de uma abordagem policial sem justa causa, seguida de busca pessoal e invasão domiciliar sem mandado judicial, com apreensão de 41g de maconha e 12 comprimidos de êxtase.

 

 [1]

Durante a instrução, a defesa alegou a ilicitude da abordagem e da busca domiciliar, bem como a ausência de provas concretas da mercancia de drogas, no entanto, o juízo a quo desconsiderou tais argumentos e manteve a condenação com base exclusivamente nos depoimentos dos policiais.

Diante dessa flagrante violação aos direitos fundamentais do recorrente, a sentença deve ser reformada.

 

Preliminar de Nulidade – Ilegalidade Da Abordagem Policial

Da Ação Policial Fundada Exclusivamente em Denúncia Anônima

A denúncia anônima, por si só, não possui força suficiente para legitimar medidas invasivas do Estado, como a abordagem pessoal ou o ingresso em domicílio. Tais ações exigem, como pressuposto legal, a presença de elementos objetivos e concretos que configurem fundada suspeita, conforme previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

O sistema jurídico garante a inviolabilidade domiciliar e a proteção contra intervenções arbitrárias. A denúncia anônima, quando desacompanhada de diligências investigativas que confirmem sua veracidade, não se qualifica como fundamento idôneo para justificar a violação desses direitos fundamentais.

A exigência de fundada suspeita decorre do dever de resguardar o equilíbrio entre a necessidade de investigação criminal e os direitos individuais, de modo a evitar arbitrariedades. Fundada suspeita exige critérios objetivos, que se traduzam em fatos observados e documentados pela autoridade policial, e não meras impressões subjetivas ou informações genéricas de fontes não identificadas.

A utilização de denúncias anônimas como único fundamento para justificar a atuação estatal compromete a legalidade da ação policial, pois não há base concreta que demonstre a prática de ilícito. Quando não são realizadas investigações preliminares que confirmem a veracidade das informações, fica evidente que a atuação estatal carece de elementos mínimos para legitimar a intervenção.

Ademais, a ausência de diligências que busquem complementar ou corroborar as informações fornecidas por meio de denúncia anônima demonstra uma falha grave no procedimento investigativo, violando o devido processo legal e os direitos fundamentais dos cidadãos.

Provas obtidas em decorrência de medidas invasivas realizadas exclusivamente com base em denúncias anônimas configuram ilicitude e devem ser desentranhadas dos autos. A ilegalidade da origem da prova contamina todo o conjunto probatório subsequente, tornando-o igualmente inadmissível.

Esse entendimento protege o princípio da legalidade e evita que práticas arbitrárias sejam utilizadas para legitimar violações de direitos fundamentais. A exigência de um processo conduzido com respeito às garantias legais é indispensável para assegurar a integridade do sistema de justiça.

As ações policiais baseadas exclusivamente em denúncias anônimas violam os princípios da legalidade, inviolabilidade domiciliar, contraditório e ampla defesa. A ausência de elementos objetivos que sustentem a fundada suspeita invalida quaisquer provas obtidas em decorrência de tais ações, comprometendo a regularidade do processo penal.

Portanto, é imprescindível o reconhecimento da nulidade de medidas invasivas fundamentadas apenas em denúncias anônimas, garantindo que o processo penal seja conduzido em estrita observância aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais.

 

Falta de Fundadas Razões para a Busca Pessoal

O artigo 244 do Código de Processo Penal estabelece que a busca pessoal deve ser precedida de fundada suspeita, ou seja, é necessário que existam elementos objetivos e concretos que justifiquem a medida. Simples suspeitas subjetivas ou intuições dos agentes públicos, como o "nervosismo" do abordado, não são suficientes para legitimar uma ação tão invasiva.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, assegura a inviolabilidade da intimidade, enquanto o inciso XI protege o domicílio como asilo inviolável, sendo o ingresso em uma residência condicionado a ordem judicial ou flagrante delito devidamente comprovado.

Decisões recentes confirmam que a abordagem policial fundada em meras conjecturas é inválida, conforme ilustrado:

·         STJ - HC 722175/SP: Determina que a busca pessoal, sem justa causa concreta, viola o artigo 240, § 2º, do CPP. Nervosismo ou intuições subjetivas não bastam para legitimar o ato​​.

·         TJGO - Habeas Corpus 5046125-08.2024.8.09.0087: Reitera a inadmissibilidade de provas obtidas mediante abordagem sem fundada suspeita e determina o trancamento do processo​.


STF

A Suprema Corte também já decidiu na mesma direção:


 “EMENTA: HABEAS CORPUS. TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA LAVRADO CONTRA O PACIENTE. RECUSA A SER SUBMETIDO A BUSCA PESSOAL. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL RECONHECIDA POR TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL. Competência do STF para o feito já reconhecida por esta Turma no HC n.º 78.317. Termo que, sob pena de excesso de formalismo, não se pode ter por nulo por não registrar as declarações do paciente, nem conter sua assinatura, requisitos não exigidos em lei. A "fundada suspeita", prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um "blusão" suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo.” (STF. HC 81305, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL- 02058-02 PP-00306 RTJ VOL-00182-01 PP-00284)

 


STJ

Afinal, tendo a diligência se iniciado de forma ilegal, fundada em mera conjectura, não há qualquer relevância que depois tenha se constatado a ocorrência de um crime.  Nessa direção:


 “HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. Considera-se ilícita a revista pessoal realizada sem a existência da necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP, bem como a prova derivada da busca pessoal. 2. Se não havia fundadas suspeitas para a realização de busca pessoal no acusado, não há como se admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. Assim, o fato de o acusado se amoldar ao perfil descrito em denúncia anônima e ter empreendido fuga ante a tentativa de abordagem dos policiais militares, não justifica, por si só, a invasão da sua privacidade, haja vista a necessidade de que a suspeita esteja fundada em elementos concretos que indiquem, objetivamente, a ocorrência de crime no momento da abordagem, enquadrando-se, assim, na excepcionalidade da revista pessoal. 3. Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas obtidas a partir da busca pessoal realizada, bem como as delas derivadas, anulando-se a sentença para que outra seja prolatada, com base nos elementos probatórios remanescentes”. ( STJ HC 625.819/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021)  

 

Nesse mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:


TJGO

APELAÇÃO CRIMINAL N° : 5149357-18.2022.8.09.0051 COMARCA : GOIÂNIA APELANTE : BRUNO GOMES DE OLIVEIRA APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : Desembargador LINHARES CAMARGO   EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. NULIDADE DAS PROVAS. BUSCA PESSOAL E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. ABSOLVIÇÃO. A jurisprudência das cortes superiores converge para a compreensão de que é indispensável a presença de justa causa a respaldar a busca pessoal e o adentramento da polícia ostensiva na residência do indivíduo. No caso, não foi adequadamente demonstrado, além de qualquer dúvida razoável, que os elementos relacionados à prática de infração penal foram obtidos de maneira lícita. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) há algum tempo exige a existência de fundada suspeita, lastreada em juízo de probabilidade, tanto para a busca pessoal como adentramento sem mandado judicial, com base em indícios e circunstâncias concretas. O mero nervosismo, desacompanhados de outros dados concretos, não satisfazem esse requisito. É incontestável a conclusão de que o que foi apreendido com o apelante e em sua residência, após o adentramento policial sem autorização judicial, está marcado pela ilegalidade, sendo, portanto, de valor duvidoso e infesto de irregularidades. Logo, deve-se reconhecer sua inutilidade completa como prova no processo, devido à sua ilegalidade. Isso é respaldado pelo artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade da casa do indivíduo, proibindo a entrada, inclusive, sem consentimento do morador, fato sequer elucidado na produção de provas, a menos que seja em caso de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou por ordem judicial durante o dia. Todos os dados de informação (não são provas) foram obtidos de maneira ilícita, pois um policial só pode entrar na casa de alguém com um mandado judicial de busca e apreensão ou com fundadas razões de flagrante delito, o que não foi demonstrado. Assim, impositiva a absolvição com fulcro no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. DECLARADA NULAS AS PROVAS OBTIDAS POR BUSCA PESSOAL E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,5149357-18.2022.8.09.0051,ADRIANO ROBERTO LINHARES CAMARGO - (DESEMBARGADOR),4ª Câmara Criminal, Publicado em 06/03/2024 18:36:53


 

A análise de Aury Lopes Junior reforça que a busca pessoal deve se basear em indícios claros e objetivos, não podendo ser empregada como "fishing expedition" — uma investigação especulativa, desprovida de justificativa concreta e que fere garantias fundamentais como o contraditório e a ampla defesa​.

Na situação apresentada, a abordagem do apelante ao avistar a viatura policial. Tal comportamento é insuficiente para configurar fundada suspeita, especialmente porque:

·         Não foram identificados elementos objetivos que indicassem a prática de delito;

·         O relato dos policiais carece de especificidade e base factual;

·         A posterior constatação de ilícitos não valida a irregularidade da busca inicial, conforme entendimento consolidado do STJ e STF.

A busca pessoal e a subsequente domiciliar estão contaminadas pela ilicitude, conforme o artigo 157, caput e §1º, do CPP. Dessa forma:

·         Provas derivadas da busca ilegal são inadmissíveis;

·         Absolvição do réu é imperativa, nos termos do artigo 386, inciso II, do CPP, por ausência de provas válidas.

A ilegalidade da busca pessoal e as suas derivações configuram evidente afronta às garantias constitucionais, devendo-se, por consequência, declarar a nulidade das provas obtidas e reconhecer a absolvição do acusado. Este entendimento está alicerçado no princípio da proteção à dignidade humana e na observância estrita do devido processo legal.

Nesse sentido


STJ

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1). 2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação - e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio - justificam o retardo da cessação da prática delitiva. 2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação - amiúde irreversível - de todo o processo, em prejuízo da sociedade. 3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" ( RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado. 4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente. 5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou. 5.1. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc. 5.2. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos - diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas - pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local. 5.3. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial - meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada - legitimar a entrada em residência ou local de abrigo. 6. Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em sua residência - uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da Republica para o afastamento da inviolabilidade do domicílio - outros países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso alheio. 6.1. Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de suspeitos de crimes, não pode haver dúvidas sobre a voluntariedade da autorização do morador (in dubio libertas). O consentimento "deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não contaminado por qualquer truculência ou coerção (" consent, to be valid, 'must be unequivocal, specific and intelligently given, uncontaminated by any duress or coercion' "). (United States v McCaleb, 552 F2d 717, 721 (6th Cir 1977), citando Simmons v Bomar, 349 F2d 365, 366 (6th Cir 1965). Além disso, ao Estado cabe o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, livre e voluntariamente dado, isento de qualquer forma, direta ou indireta, de coação, o que é aferível pelo teste da totalidade das circunstâncias (totality of circumstances). 6.2. No direito espanhol, por sua vez, o Tribunal Supremo destaca, entre outros, os seguintes requisitos para o consentimento do morador: a) deve ser prestado por pessoa capaz, maior de idade e no exercício de seus direitos; b) deve ser consciente e livre; c) deve ser documentado; d) deve ser expresso, não servindo o silêncio como consentimento tácito. 6.3. Outrossim, a documentação comprobatória do assentimento do morador é exigida, na França, de modo expresso e mediante declaração escrita à mão do morador, conforme norma positivada no art. 76 do Código de Processo Penal; nos EUA, também é usual a necessidade de assinatura de um formulário pela pessoa que consentiu com o ingresso em seu domicílio (North Carolina v. Butler (1979) 441 U.S. 369, 373; People v. Ramirez (1997) 59 Cal.App.4th 1548, 1558; U.S. v. Castillo (9a Cir. 1989) 866 F.2d 1071, 1082), declaração que, todavia, será desconsiderada se as circunstâncias indicarem ter sido obtida de forma coercitiva ou houver dúvidas sobre a voluntariedade do consentimento (Haley v. Ohio (1947) 332 U.S. 596, 601; People v. Andersen (1980) 101 Cal.App.3d 563, 579. 6.4. Se para simplesmente algemar uma pessoa, já presa - ostentando, portanto, alguma verossimilhança do fato delituoso que deu origem a sua detenção -, exige-se a indicação, por escrito, da justificativa para o uso de tal medida acautelatória, seria então, no tocante ao ingresso domiciliar,"necessário que nós estabeleçamos, desde logo, como fizemos na Súmula 11, alguma formalidade para que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das sanções cabíveis"(voto do Min. Ricardo Lewandowski, no RE n. 603.616/TO). 6.5. Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal - analogicamente aplicável para busca e apreensão também sem mandado judicial - ao dispor que,"[f]inda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º". 7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias - não apenas históricas, mas atuais -, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça. 7.1. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu no caso ora em julgamento - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade. 7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral - pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro - e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado. 8. Ao Poder Judiciário, ante a lacuna da lei para melhor regulamentação do tema, cabe responder, na moldura do Direito, às situações que, trazidas por provocação do interessado, se mostrem violadoras de direitos fundamentais do indivíduo. E, especialmente, ao Superior Tribunal de Justiça compete, na sua função judicante, buscar a melhor interpretação possível da lei federal, de sorte a não apenas responder ao pedido da parte, mas também formar precedentes que orientem o julgamento de casos futuros similares. 8.1. As decisões do Poder Judiciário - mormente dos Tribunais incumbidos de interpretar, em última instância, as leis federais e a Constituição - servem para dar resposta ao pedido no caso concreto e também para "enriquecer o estoque das regras jurídicas" (Melvin Eisenberg. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 4) e assegurar, no plano concreto, a realização dos valores, princípios e objetivos definidos na Constituição de cada país. Para tanto, não podem, em nome da maior eficiência punitiva, tolerar práticas que se divorciam do modelo civilizatório que deve orientar a construção de uma sociedade mais igualitária, fraterna, pluralista e sem preconceitos. 8.2. Como assentado em conhecido debate na Suprema Corte dos EUA sobre a admissibilidade das provas ilícitas (Weeks v. United States, 232 U.S. 383,1914), se os tribunais permitem o uso de provas obtidas em buscas ilegais, tal procedimento representa uma afirmação judicial de manifesta negligência, se não um aberto desafio, às proibições da Constituição, direcionadas à proteção das pessoas contra esse tipo de ação não autorizada ("such proceeding would be to affirm by judicial decision a manifest neglect, if not an open defiance, of the prohibitions of the Constitution, intended for the protection of the people against such unauthorized action"). 8.3. A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam a esta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social e econômico, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança. 9. Na espécie, não havia elementos objetivos, seguros e racionais que justificassem a invasão de domicílio do suspeito, porquanto a simples avaliação subjetiva dos policiais era insuficiente para conduzir a diligência de ingresso na residência, visto que não foi encontrado nenhum entorpecente na busca pessoa realizada em via pública. 10. A seu turno, as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes castrenses de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor. 11. Assim, como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da Republica), é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada da residência do paciente, de 109 g de maconha -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas. 12. Habeas Corpus concedido, com a anulação da prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio e consequente absolvição do paciente, dando-se ciência do inteiro teor do acórdão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como às Defensorias Públicas dos Estados e da União, ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais dos Estados, aos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que deem conhecimento do teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública federal, estadual e distrital. 13. Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente estatal. (STJ - HC: 598051 SP 2020/0176244-9, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 02/03/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2021)


 

Falta de justa causa para Busca Domiciliar. Não comprovação de Autorização para ingresso na residência

A inviolabilidade do domicílio, assegurada no artigo 5º, XI, da Constituição Federal, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". Este direito fundamental é reforçado por convenções internacionais, como o artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que vedam ingerências arbitrárias na vida privada e no domicílio.

O artigo 157, caput e §1º, do Código de Processo Penal dispõe que provas obtidas de forma ilícita são inadmissíveis. O ingresso em domicílio sem mandado judicial só é permitido em casos excepcionais, com demonstração de fundadas razões que indiquem a ocorrência de flagrante delito no interior da residência. No caso em análise:

·         Não foram apresentados elementos objetivos que justificassem a entrada no domicílio.

·         Não há comprovação de autorização válida, livre e espontânea do morador, nem registro em áudio ou vídeo que pudesse validar o ingresso.

A falta de comprovação da justa causa compromete a legalidade da diligência, conforme decidido nos precedentes abaixo.


STF

Agravo regimental na reclamação. 2. Penal e Processual Penal. 3. RE 603.616/RO. Tema 280. 3. Inviolabilidade de domicílio. Art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. 4. Análise do caso concreto. 5. Entrada sem mandado e sem autorização. 6. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 7. Falta de justa causa. 8. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 9. Negado provimento ao agravo regimental. (STF - Rcl: 49010 GO 0059653-09.2021.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 11/11/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 18/02/2022)


 

 

STF – Tema 280 da Repercussão Geral “Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. [...] Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. [...] A entrada forçada em domicílio sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. [...]”(STF - RE 603.616, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 09/05/2016)

 

 

 


STJ

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E CORRUPÇÃO ATIVA. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, SEM DENÚNCIA E SEM DILIGÊNCIAS PRÉVIAS. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO ESCRITO DO MORADOR. FUGA DE INDIVÍDUO PARA O INTERIOR DA RESIDÊNCIA, AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (…) 2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010). Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte. 3. O avistamento de um indivíduo correndo para o interior de uma residência não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que, na residência em questão, estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não. Necessária a prévia realização de diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na residência"). Precedentes. 4. Aliás, em recente decisão, a Colenda Sexta Turma deste Tribunal proclamou, nos autos do HC 598.051, da relatoria do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sessão de 02/03/2021 (....) que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito. E apresentou as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito. b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada. c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo. e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência. (…) 6. Deve ser considerada inválida eventual autorização do morador da residência vistoriada, se essa autorização não foi concedida por escrito, na esteira da tese firmada no HC 598.051 (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021), tanto mais quando a descrição dos procedimentos efetuada pelos policiais, em sede inquisitorial, se revela inverossímil, ao afirmarem que, após baterem à porta da residência, quando finalmente abriu, o paciente teria consentido na busca. 7. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião, bem como as derivadas, devem ser consideradas ilícitas. 8. Habeas corpus não conhecida. Ordem concedida de ofício para reconhecer a nulidade da prova colhida na busca domiciliar, bem como das provas derivadas, absolvendo o paciente das imputações de tráfico de drogas e corrupção ativa.” (HC 686.489/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021) Grifado.


 

 

O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. 4. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo. 5. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência. (HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021)

 

No presente caso, a falta de comprovação da autorização para o ingresso no domicílio do acusado, aliada à inexistência de elementos objetivos que caracterizassem flagrante delito, torna ilícitas as provas obtidas, bem como suas derivações. Essa irregularidade compromete a validade do processo, devendo ser reconhecida a nulidade da diligência e a consequente absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, inciso II, do CPP.

A ausência de justa causa e de autorização válida para busca domiciliar configura violação às garantias constitucionais e processuais. A conduta estatal arbitrária não pode ser tolerada sob pena de fragilizar os pilares do Estado Democrático de Direito. Em atenção à legislação e jurisprudência, a nulidade das provas obtidas deve ser declarada, com a consequente absolvição do acusado.

 

Ilicitude das Provas por Derivação

A teoria dos frutos da árvore envenenada, consagrada pelo artigo 157, §1º, do Código de Processo Penal, estabelece que toda prova derivada de uma ação ilícita também é contaminada pela ilicitude originária, e, portanto, não pode ser utilizada no processo penal.

No presente caso, as drogas, balança de precisão e o dinheiro apreendidos derivam diretamente de uma abordagem sem base fática ou legal que a justificasse. A conduta estatal violou o devido processo legal substantivo, uma vez que a atuação repressiva se deu à margem de qualquer justificativa minimamente razoável.

Como decorrência lógica, a prova obtida a partir de uma atuação viciada é nula, bem como todas as provas que dela derivaram. A jurisprudência pátria não admite a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, e o processo penal deve zelar pela integridade da prova.

A ilicitude da abordagem contamina todas as provas subsequentes, impondo o seu desentranhamento dos autos, com base no artigo 157, §1º, do CPP.

 

Do Mérito da Defesa Criminal

Fundamentação Jurídica – Insuficiência de Provas

Ainda que não fosse reconhecida a nulidade das provas (o que se admite apenas para argumentar), a condenação do recorrente não pode subsistir, pois foi baseada exclusivamente em testemunhos policiais, sem qualquer outro elemento probatório que confirmasse a prática do tráfico de drogas.

O STF já decidiu que a palavra dos policiais, isoladamente, não pode fundamentar uma condenação, devendo haver outros elementos de prova que corroborem a acusação.

No caso concreto:

·         Não há testemunhas civis que confirmem o tráfico;

·         Não houve flagrante de venda de drogas;

·         Não foram apreendidos valores em dinheiro ou anotações de contabilidade do tráfico;

·         A quantidade de drogas encontrada é compatível com uso pessoal.

Diante da ausência de provas concretas da mercancia de drogas, a condenação deve ser reformada para absolver o recorrente ou, ao menos, desclassificar a conduta para porte para consumo próprio (art. 28 da Lei 11.343/06).

 

Da Desclassificação para o Artigo 28 da Lei Nº 11.343/06

O artigo 28 da Lei nº 11.343/06 prevê que portar drogas para consumo pessoal não configura crime com pena privativa de liberdade, mas sim um comportamento que enseja medidas de natureza educativa e preventiva. Para que o delito de tráfico (art. 33 da mesma lei) seja configurado, é essencial que existam elementos concretos que indiquem mercancia ou destinação das substâncias a terceiros.

A interpretação restritiva do artigo 33 é sustentada pelo princípio da presunção de inocência, garantindo que a ausência de prova inequívoca de comercialização conduza à desclassificação para o art. 28, conforme entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os tribunais superiores têm reiteradamente decidido pela desclassificação para o artigo 28 quando a quantidade de droga apreendida, associada à ausência de indícios claros de mercancia, não é suficiente para configurar o tráfico de drogas.

·       STJ - HC 118.677/SP: "A apreensão de pequena quantidade de entorpecentes, associada à ausência de indícios claros de mercancia, à primariedade e aos bons antecedentes do agente, indica que a substância destinava-se ao consumo pessoal, impondo-se a desclassificação da conduta para o crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006."

·       STF - HC 134.462/SP: "A primariedade, os bons antecedentes e a quantidade reduzida de droga apreendida devem ser considerados, nos termos do artigo 28, § 2º, da Lei nº 11.343/06, como indicativos de uso pessoal, cabendo à acusação comprovar a destinação comercial do entorpecente."

O enquadramento desproporcional da conduta no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 pode representar desrespeito à política criminal voltada à diferenciação entre usuários e traficantes. A própria Lei de Drogas reforça a necessidade de tratamento diferenciado, buscando a reintegração social do usuário e evitando o encarceramento desnecessário de indivíduos sem envolvimento com redes criminosas.

Diante da pequena quantidade de drogas apreendidas, da primariedade do réu, da ausência de elementos que indiquem mercancia, e da presunção de inocência, é cabível a desclassificação da conduta para o artigo 28 da Lei nº 11.343/06. Tal medida assegura a aplicação proporcional da lei, afastando a imputação de tráfico de drogas e promovendo uma abordagem mais justa e coerente com o ordenamento jurídico.

A acusação baseou-se, majoritariamente, nos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão. Embora válidos como elementos de prova, os relatos não são suficientes para sustentar uma condenação por tráfico, especialmente quando não corroborados por outros elementos robustos.

Os depoimentos de policiais são válidos, mas devem estar em harmonia com outras provas dos autos, não podendo ser o único fundamento para lastrear o provimento acusatório.

 

Prequestionamento

A presente apelação visa a devida apreciação das matérias abordadas à luz do ordenamento jurídico vigente, assegurando ao recorrente o direito de submeter eventuais violações normativas ao controle das instâncias superiores. Assim, com fundamento nos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal, fica expressamente prequestionada a violação dos seguintes dispositivos legais:

1.   Artigos 5º, X e XI, da Constituição Federal – Violação da inviolabilidade da intimidade e do domicílio, haja vista a busca pessoal e domiciliar realizada sem justa causa e sem mandado judicial, contrariando jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal;

 

2.   Artigo 157, caput e §1º, do Código de Processo Penal – Aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, evidenciando a ilicitude das provas obtidas por meio de diligência policial ilegal e sua consequente inadmissibilidade;

 

3.   Artigo 244 do Código de Processo Penal – Inobservância do requisito de fundada suspeita para a realização da busca pessoal, visto que a abordagem do recorrente se baseou exclusivamente em denúncia anônima e nervosismo, sem qualquer elemento concreto que justificasse a medida;

 

4.   Artigos 386, II e VII, do Código de Processo Penal – Pedido de absolvição por ausência de provas concretas que comprovem mercancia de drogas, uma vez que a condenação foi baseada exclusivamente em depoimentos policiais, sem elementos objetivos que confirmem a destinação comercial do entorpecente;

 

5.   Artigo 28 da Lei 11.343/2006 – Necessidade de desclassificação da conduta para porte para consumo pessoal, diante da ausência de elementos que demonstrem prática de tráfico e da pequena quantidade de entorpecentes apreendida;

 

6.   Artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal – Obrigatoriedade de fundamentação individualizada e concreta para a imposição de medidas restritivas, visando impedir decisões genéricas e não fundamentadas.

 

Dessa forma, requer-se que a Câmara Julgadora enfrente expressamente todas as teses e dispositivos mencionados, evitando a configuração de negativa de jurisdição, nos termos da Súmula Vinculante 10 do STF, e garantindo a viabilidade da interposição de eventuais recursos extraordinários perante os Tribunais Superiores.

 

Pedidos

Diante de todo o exposto, requer:

b.         O reconhecimento da nulidade da abordagem policial e da busca domiciliar, com a consequente anulação do processo e absolvição do recorrente;

 

c.         Subsidiariamente, caso não seja declarada a nulidade, requer-se a absolvição do recorrente por ausência de provas concretas do tráfico de drogas (art. 386, II, do CPP);

 

d.         Caso mantida a condenação, requer-se a desclassificação da conduta para porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei 11.343/06);

 

e.         Com base nas disposições do art. 315, §2º, incisos I a VI, do Código de Processo Penal, a defesa requer que qualquer decisão que venha a ser proferida, contenha fundamentação detalhada e individualizada, observando rigorosamente os critérios estabelecidos nos incisos mencionados, com o devido enfrentamento de todos os argumentos e peculiaridades do caso concreto, sob pena de não ser considerada fundamentada e, assim, cerceando do direito de defesa do ora denunciado.

 

 

Termos em que,

Pede e espera deferimento.

                                                                                                

Goiânia, 5 de fevereiro de 2025 .

 

(assinatura digital)

Paulo Castro

Advogado

OAB/GO XXXXXX

 

 


[1] Auto de Prisão em Flagrante, evento n° 01, fls. 04 e seguintes do PDF.

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