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Paulo Castro & Advogados 

Protegendo seus direitos com integridade e dedicação

Foto do escritorPAULO CASTRO

Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5294255-13.2021.8.09.0164

COMARCADE CIDADE OCIDENTAL

APELANTE     : ISAAC ALEXSANDER CALASANS MENDONÇA

APELADO       : MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR        : DESEMBARGADOR LINHARES CAMARGO



EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRIVILÉGIO. RECONHECIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA CORPÓREA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. I - Não satisfazem a exigência normativo-constitucional, por si só, intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira hialina e concreta, assim como seria a hipótese de mero tirocínio policial (RHC n. 158.580/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 25/4/22 – grifo nosso), um tanto mais quando se detecta que, no caso, não ficou demonstrada uma situação suspeita fundada, ante a debilidade do arsenal informativo oral, como pontilham os alemães, unbeaufsichtigt, de dados plausíveis que sustentassem suas declarações. 1.2 - Ao perlustrar o alfarrábio não há informação de que durante a atuação policial o abordado teria sido previamente avisado quanto ao direito ao silêncio por parte do agente de segurança pública, antes de eventual confissão informal, o que contraria o disposto no artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal, bem como o nemo tenetur se detegere (art. 8, n. 2, letra g, Convenção Americana sobre Direitos Humanos). 1.3 - A prisão, induz comunicação do direito ao silêncio. Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não autoincriminação e do devido processo legal (RE 1177984 RG). Nesse áquilo, todos os dados de investigação e elementos subjetivos coligidos no cartapácio decompõem-se, o que resulta na inexistência de prova da materialidade do fato, a delinear hipótese cogente de exculpação (art. 386, inc. II, CPP) e justifica a absolvição do apelante do crime de tráfico de drogas. 1.4 - O que se tem por fishing expedition emoldura-se como a prospecção indeterminada e genérica, em regra, destituída de zetética preliminar, - vedada à polícia ostensivo-preventiva, é referir, à Polícia Militar (PM) -, na perspectiva de se facear eventual situação que configure a prática de algum contingente delito e que lhe serviria de justificativa para legitimar as diligências de buscas concretizadas, sem que disponha de atribuições neste sentido. Nesse áquilo, todos os dados de investigação e elementos subjetivos coligidos no cartapácio decompõem-se, o que resulta na inexistência de prova da materialidade do fato, a delinear hipótese cogente de exculpação (art. 386, inc. II, CPP) e justifica a absolvição do apelante do crime de tráfico de drogas. No mérito. II – A materialidade e a autoria ficaram comprovadas. Saliente-se que para configurar a respectiva prática delitiva, é desnecessário o dolo específico, bastando que o agente pratique qualquer núcleo verbal previsto no tipo penal, restando incontrovertível que o apelante guardava o entorpecente, já fracionado, destinado ao comércio. As provas colhidas se enfeixam no sentido de formação da responsabilidade do apelante na concepção da conduta disposta no artigo 33, da Lei 11.343/2006 – tráfico de drogas, não havendo se falar em absolvição, portanto. III – O apelante é primário, de bons antecedentes, não havendo provas de que se dedique a atividades criminosas e nem que integre organização criminosa, fazendo jus ao benefício insculpido no § 4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006, com o decote da pena em sua fração legal máxima. IV - No caso sub judice, constato que as particularidades recomendam enfaticamente a adoção da substituição penal. Tratando-se de apelante que ostenta primariedade, sujeita a uma pena privativa de liberdade inferior a 4 anos de reclusão, a natureza do entorpecente objeto do tráfico não impõe óbice à conversão da pena. Portanto, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. PENA REDIMENSIONADA.

 

VOTO

 

O voluntário contempla os pressupostos de admissibilidade.

Manejado no lapso legal, conheço-o.

Reporto o protagonista por seu prenome, de modo simples.

Apelação interposta por ISAAC contra a sentença que o condenou pela prática de conduta prevista no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, ao cumprimento de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime semiaberto, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa (mov. 101).

Requereu, nos dígitos de seu d. defensor a) a nulidade das provas, em virtude ilegalidade da abordagem e busca pessoal realizadas. No mérito, requer b) a absolvição por insuficiência de provas e, alternativamente, c) o reconhecimento do tráfico privilegiado (mov. 141).

Contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento (mov. 149).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, com o reconhecimento do tráfico privilegiado, reavaliação do regime de cumprimento da pena e eventual substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos (mov. 160).

Pois bem.

Narra a denúncia (mov. 20):

(...)

No dia 20 de maio de 2021, por volta de 14h30min, na Rua 26, Quadra 07, Ocidental Park, Condomínio Pontes Marinho II, nesta cidade, o denunciado ISAAC ALEXSANDER CALASANS MENDONÇA, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, mantinha em depósito substâncias entorpecentes, conforme RAI nº 19512595 de fls. 05/10, Auto de exibição e apreensão de fls. 18/19 e Laudo de Perícia Criminal de Constatação de Drogas de fls. 23/25.

Apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e de lugar acima descritas, policiais militares estavam em patrulhamento de rotina, quando perceberam que ISAAC, após visualizar a aproximação da viatura, começou a correr em direção ao referido condomínio residencial, razão pela qual optaram por realizar a abordagem.

De forma sútil, os policiais abordaram o denunciado que, assustado, de pronto apontou o local onde guardava as substâncias entorpecentes, que estavam a cerca de 3 (três) metros do denunciado, no pátio do condomínio.

Foram apreendidas, além de 01 (uma) balança de precisão, 16 (dezesseis) porções de material vegetal dessecado, acondicionadas em plástico branco, com massa bruta de 28, 4g (vinte e oito gramas e quatrocentos miligramas), bem como 01 (uma) porção de material vegetal dessecado, sem embalagem, com massa bruta de 41,7g (quarenta e um gramas e setecentos miligramas), sendo positivos para caracterização do vegetal Cannabis sativa, vulgarmente conhecida por “maconha”, o que torna evidente o tráfico de drogas, tendo em vista a quantidade, a forma como se deu a apreensão e a forma de acondicionamento da droga (embalada pronta para venda).

ISAAC, ainda, assumiu a propriedade da droga encontrada, contudo, optou por não responder onde a adquiriu.

Ante o exposto, ISAAC ALEXSANDER CALASANS MENDONÇA praticou a conduta prevista no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, razão pela qual o Ministério Público requer o recebimento da presente denúncia e o regular processamento do feito até final condenação, sob o rito previsto nos arts. 55 e seguintes da Lei de Drogas.

(...)

De pronto, incontrovertível a ilicitude na obtenção dos dados de investigação que motivaram a proposição desta ação processual penal condenatória.

Não apenas inexistia situação suspeita, como também não havia situação de flagrante crime. O fato relatado não gera a possibilidade de se dar voz de prisão em flagrante a qualquer indivíduo.

Na hipótese dos autos, os testemunhos acusatórios são limitantes, pois somente apontam que os policiais visualizaram duas pessoas “em atitude suspeita” em frente a um prédio e, estas, ao avistarem a viatura, entraram apressadamente para a área externa do condomínio. Um deles fugiu e o que foi abordado, ao ser indagado, indicou um local em que acabaram encontrando entorpecentes.

Ora.

No espaço público, o policial Antenor Ribeiro Neves Júnior narrou que:

(...)

Que dois indivíduos se encontravam na porta de um prédio em atitude suspeita e, ao avistar a viatura, eles entraram rapidamente no condomínio. Na ocasião os policiais não sabiam se eles eram moradores do local. Ao abordarem um deles, o outro conseguiu fugir. Fizeram uma busca, se não se engana, na área comum do condomínio, em uma planta, onde tinha uma certa quantidade de entorpecentes. Acredita que as drogas foram encontradas em uma área externa, provavelmente uma área de jardim, onde havia algumas pedras e elas estavam embaixo de um vaso de planta. Um dos indivíduos fugiu e o outro foi conduzido para a delegacia. O depoente não se recorda em que local as balanças foram encontradas. As drogas encontradas eram maconha. O depoente se recorda de um pedaço um pouco maior do que é destinado para venda, mas não sabe precisar pesagem da droga encontrada. Os volumes eram um pouco maior do que a que é normalmente fracionada para venda individual, tipo um “tijolinho”, como costuma-se falar.

(...)

Edilson Araújo Amaro, também policial, em juízo, esclareceu que:

(...)

Que se recorda que se tratava de uma droga enterrada em um condomínio, que o próprio acusado indicou o local onde estava. Os policiais insistiram muito para saber onde o acusado tinha adquirido os entorpecentes e ele disse que não queria falar. Não se recorda direito, mas o acusado estava sentado ou já estava entrando no condomínio, como se estivesse segurando alguma coisa na cintura, mas o depoente não se recorda o que era. Ele estava em uma situação de “suspeição”. O depoente se recorda que o acusado levou um susto e os policiais pediram que ele parasse e ele disse alguma coisa parecida como “perdi”. O acusado disse que a droga era dele e que ela estava “em um canto ali”. Entretanto, ele não quis dizer onde adquiriu a droga. O acusado não disse a razão de correr, se ele ia guardar a droga ou se ia disfarçar o lugar onde ela estava. O depoente não se recorda se a droga já estava em pedaços. O depoente não se recorda se a balança estava junto com a droga ou se estava com o acusado. O depoente não se recorda se o acusado estava sozinho ou se havia alguém no local comprando essa droga. O depoente não se recorda de terem feito campana prévia e, pelo que se lembra, estavam em patrulhamento. O depoente não se recorda da quantidade de drogas que foi apreendida.

(...)

Jonatas Silva Nascimento, relatou que:

(...)

Que é policial militar, lotado no 2º Batalhão de Choque. Que estavam em patrulhamento normal pela Cidade Ocidental e quando viraram em uma rua, cujo nome não se recorda, avistaram dois ou três indivíduos, sendo que um deles, quando avistou a viatura, saiu correndo para dentro de um condomínio. O portão da garagem estava aberto e ele correu para dentro do condomínio. Dois policiais desembarcaram e foram atrás dele. Como não conseguiu pular um muro muito alto, ele já falou “perdi, perdi, perdi”. Referido indivíduo se entregou e os policiais indagaram se tinha drogas com ele. Ele disse que a droga estava guardada perto do local em que ele estava. Se o depoente não se engana, ela estava em um invólucro de vidro grande, enterrado em uma brita, só com a tampa de fora. O depoente acredita que a maioria da droga apreendida era maconha. Acredita que havia cerca de umas dez porções fracionadas e um outro volume maior que ainda não tinha sido repartido. Uma irmã do acusado estava no local e ela começou a pedir para ele parar com isso e eles começaram a discutir. Foi o acusado que apontou o local em que a droga estava. O acusado não admitiu que estava vendendo, mas admitiu que ela lhe pertencia. O depoente não se recorda se a balança estava junto com as drogas.

(...)

No entanto, o apelante esclareceu que:

(...)

Que, realmente, o declarante estava no local indicado na denúncia, pois foi lá buscar o seu Xbox. A mãe do declarante havia comprado uma casa. O declarante conheceu o Gabriel, que foi morto por policiais. O declarante foi buscar o vídeo game na casa dele. No local apareceu uma viatura e o Gabriel foi para dentro de casa, ao passo que o declarante continuou no portão. Os policiais abordaram o declarante. Os policiais perguntaram e o declarante disse que tinha acabado de chegar “da Ocidental” e que morava “no DF”. Os policiais colocaram o declarante dentro da viatura e o levaram para o mato. Eles não foram atrás de mais ninguém. Eles disseram que, devido ao fato de o declarante ser do DF, teria que dar uma arma para eles. O declarante disse que não tinha arma e não tinha dinheiro para adquirir uma. Os policiais disseram que, se o declarante não desse uma arma para eles, eles iriam matá-lo. Então, o declarante disse aos policiais que daria uma arma para eles, convidando-os para irem em sua casa. O declarante falou isso para os policiais para que sua mãe pudesse ver que o declarante estava sob o poder dos policiais e para eles não fazerem nada com o declarante. Os policiais não encontraram nada na casa do declarante e o conduziram para a delegacia de polícia, falando que “iam me tacar no tráfico”. O declarante chegou na delegacia “da Ocidental” e não assinou nada. Os policiais fizeram isso porque o declarante não deu nenhuma arma para eles.

(...)

Com efeito.

O perlustrar do alfarrábio consente sondar que não ficou demonstrado de modo suficiente, para além da dúvida razoável, que os elementos relativos à prática de infração penal se hajam obtidos de modo lícito, é referir, de que se tenha coletado em perímetro de atuação repressiva pela polícia ostensiva (militar), desaproximando-se, por conseguinte, do indispensável à sua validez, quer no que pertine à busca pessoal, eis que concretizada fora das hipóteses constitucionais e legais.

O colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), há algum tempo, exige, em termos de standard probatório para a busca pessoal ou a veicular sem mandado judicial a existência de fundada suspeita (a sedimentar indiscutível justa causa) – lastreada em juízo de probabilidade, descrita, portanto, com a maior precisão possível e aferível (empós, aferida), de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o citoyen traga consigo drogas, armas ou outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência.

Sendo assim, não satisfazem a exigência normativo-constitucional, por si só, intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira hialina e concreta, assim como seria a hipótese de mero tirocínio policial (RHC n. 158.580/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 25/4/22 – grifo nosso), um tanto mais quando se detecta que, no caso, não ficou demonstrada uma situação suspeita fundada, ante a debilidade do arsenal informativo oral, como pontilham os alemães, unbeaufsichtigt, de dados plausíveis que sustentassem suas declarações.

A propósito, de dizer-se que o súdito estatal não pode ter sua liberdade deambulatorial e situacional subjugada ao líbito de sortilégios conjecturais dos que compõem as forças ostensivas e preventivas, em especial quando se detecta apenas terem avistado o paciente “em atitude suspeita”.

Os relatos dos policiais militares em juízo dão conta que a abordagem a ISAAC foi absolutamente arbitrária.

Segue-se uma informação no sentido de que encontraram 16 (dezesseis) porções de material vegetal dessecado, acondicionadas em plástico branco, com massa bruta de 28, 4g (vinte e oito gramas e quatrocentos miligramas), bem como 01 (uma) porção de material vegetal dessecado, sem embalagem, com massa bruta de 41,7g (quarenta e um gramas e setecentos miligramas), sendo positivos para caracterização do vegetal Cannabis sativa, vulgarmente conhecida por “maconha”, além de uma balança.

Inexistem registros no sentido de que os policiais, ao realizarem a abordagem tenham cientificado o paciente do seu direito de permanecer em silêncio, no instante em que disseram haver encontrado a maconha, o que lhes determinam o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição da República e os artigos 301 e seguintes do Cripto de Ritos Penais, era (e é) dar-lhe “voz de prisão em flagrante delito”, é dizer, prendê-lo e, porque preso, cientificá-lo de seu direito de ficar em silêncio (art. 5º, inc. LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado…, CF).

No lugar de cumprir seu dever, o que se segue é a denominada “entrevista informal”, por meio do que se extraem informes que derruem princípios constitucionais e convencionais como o direito de não produzir prova contra si mesmo, o direito de ser assistido por advogado e cientificada sua família.

A ausência de informação e a garantia de pleno exercício de seu direito ao silêncio representa, portanto, hialina transgressão ao que preceitua o artigo 8, n. 2, alínea “g)”, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e que dispõe de eficácia normativa equivalente às emendas constitucionais ou supralegal.

Ora, não é na legislação processual que se encontra o direito ao silêncio que se deve comunicar àquele que foi preso, eis que este gesto atua como indeclinável advertência precedente ao ato personalíssimo instrutório postremeiro das audiências e sessões de instrução e julgamento (art. 186, cabeço, CPP), pois seu asilo e hospedagem situa-se na Constituição Cidadã (art. 5º, inc. LXIII, CF).

Logo, se tratam de dois atos, absolutamente, diversos, é mencionar, (a) o de se comunicar ao preso, desde o instante em que recebe voz de prisão (em flagrante, preventiva), o seu direito ao silêncio (art. 5º, inc. LXIII, CF) e, de outro lado, (b) aquele que corresponde à ciência que o Juiz-Estado empreende ao interrogando a respeito de sua resolução sobre responder, ou não, às perguntas que lhe forem feitas, inclusive, podendo fazê-lo em caráter parcial, hipótese em que poderá repontar as indagativas que melhor consultarem ao exercício de seu direito à autodefesa, o que decorre, inclusive, da própria disponibilidade desta sua prerrogativa personalíssima.

A ausência de advertência e de sua documentação formal, após a voz de prisão em flagrante, ante legítima localização de objetos como arma proibida, drogas, papéis ou documentos que constituam corpo de delito (art. 240, § 2º, e art. 244, prim. parte, CPP), induz inexcedível recognição de invalidez de toda e qualquer expressão, assertiva, palavra, gesto ou revelação autoincriminatória extraída do preso, a contaminar de modo letífero todos os atos de investigação ou provas dela derivadas, pois inexistente, na espécie, a possibilidade de incidência das ausnahme von den ausschlussregeln (exclusionary rules – regras de exclusão).

Se assim não fosse (art. 186, caput, CPP) e o direito ao silêncio se tivesse que corporificar apenas antes das declarações policiais e do interrogatório judicial do preso, ao reverso, poder-se-ia argumentar que o indiciado ou acusado que estiver solto não deverá ser cientificado de seu direito de permanecer calado.

Desse modo, é evidente que aos policiais, antes e durante uma abordagem, não se vindica o dever de dizer ao abordado o direito ao silêncio, pois este somente é assegurado ao preso, de maneira que o encontro de armas ou objetos que constituem corpo de delito em poder dele (abordado), implica em imediata alteração de seu status jurídico, eis que, até aquele instante, livre, receberá voz de prisão, comenos a partir do que se lhe assegurará a comunicação do direito de ficar em silêncio.

Nessa linha de intelecção, estratifica-se a tese de que a busca pessoal depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental, é dizer, objetivamente, somente quando houver a ocorrência de crime no momento da abordagem, adequando-se, assim, na excepcionalidade da revista pessoal.

Assim, reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da busca pessoal, impõe-se o trancamento do processo-crime.

O comunicado do direito ao silêncio. Obiter dictum: Aviso de Miranda

Sob outro prisma, não há informação de que durante a atuação policial o abordado teria sido previamente avisado quanto ao direito ao silêncio por parte do agente de segurança pública, antes de eventual confissão informal ou o fornecimento de qualquer informação ou declaração que pudesse ser utilizada, - como foi -, em seu desproveito no orbe judicial, o que contraria o disposto no artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal, bem como o nemo tenetur se detegere (art. 8, n. 2, letra g, Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

O que determinam a Constituição da República e os artigos 301 e seguintes do Cripto de Ritos Penais, era (e é) dar-lhe “voz de prisão em flagrante delito”, é dizer, prendê-lo e, porque preso, cientificá-lo de seu direito de ficar em silêncio (art. 5º, inc. LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado…, CF).

No julgamento das ADPFs 395 e 444, o excelso Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela impossibilidade de se conduzir coercitivamente os suspeitos de prática de crimes para interrogatório. Ainda, na RE 1.177.984, a Suprema Corte pontuou que um “interrogatório travestido de entrevista” viola o direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação, destacando-se que, no caso a que reporta o enunciado remetido, ajuizou-se Reclamação no STF sob o argumento de que o reclamante foi interrogado pelo Delegado de Polícia sem haver sido informado sobre o seu direito de permanecer em silêncio.

Os agentes estatais, no lugar de cumprir seus deveres, o que se segue é a denominada “entrevista informal”, por meio do que se extraem informes que derruem princípios constitucionais e convencionais como o direito de não produzir prova contra si mesmo, o direito de ser assistido por advogado e cientificada sua família.

A ausência de informação e a garantia de pleno exercício de seu direito ao silêncio representa, portanto, hialina transgressão ao que preceitua o artigo 8, n. 2, alínea “g)”, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e que dispõe de eficácia normativa equivalente às emendas constitucionais ou supralegal.

A ausência de advertência e de sua documentação formal, após a voz de prisão em flagrante, ante legítima localização de objetos como arma proibida, drogas, papéis ou documentos que constituam corpo de delito (art. 240, § 2º, e art. 244, prim. parte, CPP), induz inexcedível recognição de invalidez de toda e qualquer expressão, assertiva, palavra, gesto ou revelação autoincriminatória extraída do preso, a contaminar de modo letífero todos os atos de investigação ou provas dela derivadas, pois inexistente, na espécie, a possibilidade de incidência das ausnahme von den ausschlussregeln (exclusionary rules – regras de exclusão).

Se assim não fosse (art. 186, caput, CPP) e o direito ao silêncio se tivesse que corporificar apenas antes das declarações policiais e do interrogatório judicial do preso, ao reverso, poder-se-ia argumentar que o indiciado ou acusado que estiver solto não deverá ser cientificado de seu direito de permanecer calado.

Desse modo, é evidente que aos policiais, antes e durante uma abordagem, não se vindica o dever de dizer ao abordado o direito ao silêncio, pois este somente é assegurado ao preso, de maneira que o encontro de armas ou objetos que constituem corpo de delito em poder dele (abordado), implica em imediata alteração de seu status jurídico, eis que, até aquele instante, livre, receberá voz de prisão, comenos a partir do que se lhe assegurará a comunicação do direito de ficar em silêncio.

Nessa linha de intelecção, estratifica-se a tese de que a busca pessoal depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas suspeita (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental, é dizer, objetivamente, somente quando houver a ocorrência de crime no momento da abordagem, adequando-se, assim, na excepcionalidade da revista pessoal.

Nesse sentido, o “direito ao silêncio, em sentido amplo”, tem previsão passível de ser extraída não só da Carta Magna, todavia, sobretudo da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, n. 2, al. “g”) e, em consequência deste, decorre o direito fundamental de advertência, é dizer, de ser informado sobre o direito de permanecer em silêncio. Se à autoridade policial compete informar ao preso suas garantias fundamentais, com muitíssimo (no superlativo) mais razão cabe aos policias militares, quando na abordagem, reportarem esse direito, inclusive, porque não lhes é consentido realizarem “interrogatório travestido de entrevista” e, em seguida, quando em audiência de instrução cravar ter havido eventual confissão.

Há excerto tópico:

Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Agravo da Procuradoria-Geral da República. 3. Condenação baseada exclusivamente em supostas declarações firmadas perante policiais militares no local da prisão. Impossibilidade. Direito ao silêncio violado. 4. Aviso de Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito. Precedentes. 5. Agravo a que se nega provimento. (STF - RHC: 170843 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 04/05/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 01/09/2021).

Com efeito.

A questão legitima, ao nível de argumentação não essencial à catástase do que decido, o Aviso de Miranda, é referir, o direito que o cidadão, seja abordado ou preso, tem de ser cientificado sobre a garantia de permanecer em silêncio e, no Brasil, de que de sua autocontenção nada se pode presumir. O instituto se originou no caso Erneste Miranda versus (Estado do) Arizona, em 1966, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos fixou tese sobre o direito constitucional ao silêncio.

Alfim, este precedente qualificado:

Repercussão Geral

Tema 1185 (admissibilidade) - Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não auto-incriminação e do devido processo legal. (RE 1177984 RG)

2.3 Fishing expedition

Alexandre Morais da Rosa, em precioso artigo (A prática de fishing expedition no processo penal1), define esta prática do Estado como sendo uma pesca probativa, em que se empreende …

… a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem "causa provável", alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém…

A concretização da atividade ostensivo-preventiva se tem manifestado como aquela que povoa a mente do pescador, na crença e expectativa de que será bem-sucedido em sua iniciativa de ir a algum local, assim o pesqueiro, rio, lago, lagoa, represa, mar, oceano e ali exitará na captura de algum espécimen de peixe, para seu deleite, sobrevivência, comercialização.

O que se tem por fishing expedition emoldura-se como a prospecção indeterminada e genérica, em regra, destituída de zetética preliminar, - vedada à polícia ostensivo-preventiva, é referir, à Polícia Militar (PM) -, na perspectiva de se facear eventual situação que configure a prática de algum contingente delito e que lhe serviria de justificativa para legitimar as diligências de buscas concretizadas, sem que disponha de atribuições neste sentido.

No entanto, o preceito privilège contre l'auto-incrimination (privilege against self-incrimination ou privilegio contro l'autoincriminazione ou direito à não autoincriminação) erige-se como óbice intransponível à procura irresoluta e prognóstica, pois ao Estado não se consente atuar no limbo de legalidade.

Sendo assim, não se permite ao Estado lançar mão da máxima que adquiriu notoriedade na locução de Nicolau Maquiavel, - porém, presente na obra Heroides, do poeta romano Publio Ovídio Naso, há mais de 2.000 anos -, de que os fins justificam os meios, assim como consta em seu opúsculo O Príncipe, Capítulo XVIII, ao compor-se, literalmente, que…

… nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas. Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo…

Alfim, permito-me colacionar o escólio de Alexandre Morais da Rosa, no artigo em realce (item 7), em que define os limites que se devem impor à banalização (diria, com mesura, à permanência e persistência) do repreensível expediente de se legitimar incursões ilegítimas do aparelho estatal ostensivo-preventivo, no que pontilha que…

… o desafio do Processo Penal é punir dentro das regras do jogo válido, como sempre diz Aury Lopes Jr. ("Direito Processual Penal". São Paulo: Saraiva, 2021). Do contrário, transforma-se no vale tudo (Processo Penal freestyle), em que o resultado valida a desconformidade de obtenção do meio de prova. O trajeto de obtenção da prova é pressuposto à análise do conteúdo. Deve-se perquirir a: 1) existência; 2) validade; e 3) eficácia (Teste EVE. Guia do Processo Penal Estratégico. Florianópolis: EMais, 2021). O desafio se renova, até porque as conquistas civilizatórias materializadas nas garantias constitucionais não podem depender de contextos fáticos, nem da "boa vontade" dos agentes da lei. Pouco importa, ademais, a boa ou má-fé dos agentes processais. As regras de obtenção de meios de prova garantem a todos. As exceções oportunistas destoam do padrão democrático. Ainda que signifiquem a absolvição de prováveis culpados, trata-se do patamar civilizatório e a sustentação do padrão ético do agir estatal. O esforço de conformidade da investigação e da punição dentro das regras do jogo compõem o desafio contemporâneo do Processo Penal brasileiro…

O desate, por conseguinte, é somente um, a declaração da ilicitude dos elementos decorrentes desta conduta.

Dessa forma, presentes, ausência de comprovação de fundadas razões para a abordagem em via pública, contaminante da ação subsequente dos policiais militares, bem como transgredido o dever de comunicar o direito ao silêncio ao paciente, todos os dados são imprestáveis, por ilícitos.

Por fim, de ver-se que a anulação do termo de exibição e apreensão encartados no cartapácio, desconfigura a validez formal e material do respectivo laudo pericial.

Com efeito.

O vitupério de imprestabilidade que se lança sobre o corpo de delito (substâncias apreendidas) é incontrovertível, afeta, diretamente, os laudos periciais que se produziram, os quais se tornam, absolutamente, inservíveis no alfarrábio e, por conseguinte, não se prestam à continuidade da persecução.

A detecção de existência de abuso de autoridade por parte dos policiais militares não pode ser objeto de iniciativa judicial, para que não se transgrida o princípio acusatório, nem que se deduza pronunciamento açodado sobre o fato ou, ademais, para que não se transubstancie evidente postura apta ao reconhecimento de suspeição, de sorte que esta valoração é reservada, com exclusividade, ao Ministério Público.

Dessarte, se o material probatório produzido, sob o crivo do contraditório, não exprime a lisura da atuação dos policiais militares, permanecendo incerteza sobre as fundadas suspeitas que levaram à realização da busca pessoal e as que se seguiram, impõe-se a declaração de sua invalidez e, consequentemente, a absolvição do apelante pela ilicitude da prova.

Nesta hipótese, remanesci vencido na preliminar.

Sendo assim, ao mérito.

Do parcial provimento ao apelo

O apelante pugna pela absolvição por insuficiência de provas.

Subsidiariamente, na terceira fase, pleiteia o reconhecimento do tráfico privilegiado.

Pois bem.

Quanto a materialidade e autoria, restam elas demonstradas pelo auto de exibição e apreensão (fls. 18/19, do PDF), pelo Laudo de pericial de constatação (fls. 23/25, do PDF e mov. 109), bem como pelos depoimentos colacionados.

O policial Antenor Ribeiro Neves Júnior narrou, em juízo, que, ao avistarem a viatura, dois indivíduos entraram rapidamente no condomínio em que as drogas foram encontradas, na área comum, embaixo de um vaso de planta, sendo que um deles fugiu e o apelante foi encaminhado para a delegacia de polícia.

O policial Edilson Araújo Amaro pontuou que o próprio apelante indicou o local em que a droga estava, tendo assumido a sua propriedade, embora não indicasse onde a houvera adquirido.

Por sua vez, Jonatas Silva Nascimento esclareceu que o apelante tentou fugir, porém, não conseguiu pular o muro, oportunidade em que se entregou, assim como assumiu a propriedade das drogas e indicou o local em que estava. Referido policial informou que havia cerca de dez porções fracionadas e um outro volume maior ainda não repartido.

O apelante Isaac Alexsander Calasans Mendonça confirmou que se encontrava no local dos fatos, porém, negou a prática da conduta, atribuindo a sua prisão ao fato de não haver entregue uma arma para os policiais que o abordaram.

Remanesce incontrovertível que a prova coletada conecta-se à pessoa do apelante.

Suas alegativas no sentido de que os policiais o encaminharam para a delegacia em razão de não haver atendido ao pedido de cessão de uma arma não encontra respaldo nos autos, ficando absolutamente isolado nesse aspecto, não merecendo acolhida.

Contudo, a localização da substância psicoativa, se pouco, sob o esmero do apelante, de conformidade com os testemunhos dos policiais que realizaram a abordagem, deu-se por indicação de Isaac, o qual tentou evadir-se, não conseguindo pular o muro do condomínio, decidindo por se entregar, assumir a propriedade e a localização da droga.

A res in juditio deducta é provada, posto que os elementos jurisdicionalizados, dentre eles as palavras dos milicianos responsáveis pela localização das drogas, servem de lastro suficiente à sua condenação, nos termos do que se detecta neste fragmento pretoriano:

Tráfico de entorpecente – Decisão condenatória baseada em depoimento de policial – Descrição segura, precisa e uniforme de fatos – Inexistência de motivos que o invalidem – Presunção de idoneidade – Preliminar de cerceamento de defesa repelida…

(RT 614/275).

Saliente-se que para configurar a respectiva prática delitiva, é desnecessário o dolo específico, bastando que o agente pratique qualquer núcleo verbal previsto no tipo penal, restando incontrovertível que o apelante, no mínimo, guardava o entorpecente, já fracionado, destinado ao comércio.

As provas colhidas se enfeixam no sentido de formação da responsabilidade do apelante na formação da conduta disposta no artigo 33, da Lei 11.343/2006 – tráfico de drogas, não havendo se falar em absolvição, portanto.

Do privilégio

Colho excerto da sentença:

(…)

- DA PENA RELATIVA AO CRIME DE TRÁFICO

Na primeira fase, passo à análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, e 42 da Lei nº 11.343/2006.

Culpabilidade: deve servir como elemento de aferição do grau de reprovabilidade da conduta do agente. No caso, as provas produzidas nos autos evidenciam conduta normal à espécie do tipo;

Antecedentes: o réu é tecnicamente primário (mov. 125);

Conduta social: à míngua de maiores elementos para melhor esclarecê-la, deve ser considerada como normal;

Personalidade: não há nos autos elementos suficientes para se aferir acerca desta circunstância judicial, o que, segundo moderna e mais abalizada doutrina penal, só deve ser aferível por intermédio de critérios técnico-científicos que extrapolam ao domínio cognoscível do juiz, razão pela qual deixo de avaliar esta circunstância tendo a mesma como favorável ao réu;

Motivos: (considerado como antecedente psicológico que impulsiona a vontade e coloca em movimento a conduta): deixo de considerar esta circunstância como desfavorável ao sentenciado, tendo em vista o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual preleciona que para valoração dos motivos não podem ser considerados desfavoráveis aqueles inseridos no próprio tipo penal;

Circunstâncias: Com relação ao crime em questão, os atos praticados pelo agente compõe unicamente o tipo penal, nada tendo a se valorar.

Consequências: Próprias do tipo, não havendo nos autos elementos que comprovem consequências de maior relevo, e, por isso, tal circunstância não será utilizada para elevar a pena base do agente.

Comportamento da vítima: não foi relevante para o lamentável desfecho.

Natureza e quantidade da substância ou do produto (artigo 42, da Lei de nº 11.343/2006): a quantidade não é expressiva, visto que foi apreendido menos de 100 gramas de entorpecente,  da mesma forma, observo que a natureza da substância não deve ser valorada negativamente, por tratar-se de “maconha”, entorpecente que, em tese, não provoca alto grau de dependência.

À vista dessas circunstâncias judiciais, as quais se mostram favoráveis ao acusado, fixo a pena base em seu mínimo legal, qual seja, 05(cinco) anos de reclusão e 500(quinhentos) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria da pena, não vislumbro a presença da circunstância agravante e atenuante, portanto fixo a pena intermediária em 05(cinco) anos de reclusão e 500(quinhentos) dias-multa.

Na terceira fase da dosimetria da pena, não há causa de diminuição ou aumento de pena a serem consideradas, motivo pelo qual, na falta de outras circunstâncias que influam no seu cômputo, FIXO a PENA DEFINITIVA do acusado em 05(cinco) anos de reclusão e 500(quinhentos) dias-multa, fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na época do fato, devidamente atualizado por ocasião do pagamento.

- DO REGIME

A pena fixada é superior a 04(quatro) anos, mas não excede a 08(oito) anos, portanto, o regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao réu é o SEMIABERTO, consoante disposição do artigo 33, § 2º, “alínea b”, do Código Penal.

- DA DETRAÇÃO

Deixo de realizar o cômputo do tempo da prisão provisória em favor do acusado, tendo em vista que não será alcançada a mudança de regime inicial.

Portanto, deixo de proceder a detração penal, nos termos do artigo 387, § 2° do Código de Processo Penal.

- DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA

Deixo de substituir a pena privativa de liberdade em restritiva de direito, por não atender aos requisitos dispostos nos incisos do artigo 44, do Código Penal.

Da mesma forma, deixo de suspender condicionalmente a pena, por ausência dos requisitos preconizados no artigo 77, do Código Penal.

(...)

Da leitura da sentença condenatória observa-se que, na 1ª fase da dosimetria, o juízo primevo estabeleceu a pena-base em seu patamar mínimo de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, após a análise das circunstâncias judiciais.

Na 2ª fase, por não vislumbrar a presença de circunstâncias atenuantes ou agravantes, manteve a intermediária no referido patamar.

Na 3ª fase, contudo, deixou de aplicar o privilégio.

Ora.

O dispositivo legal está assim redigido:

Art. 33. [...]§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012).

O chamado tráfico privilegiado é uma causa de diminuição de pena, sendo, portanto, analisada na terceira fase da dosimetria. Para a aplicação o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam: a) ser primário; b) apresentar bons antecedentes; c) não se dedicar a atividades criminosas; e d) não integrar organização criminosa.

A introdução dessa circunstância de redução no sistema jurídico teve como objetivo primordial estabelecer uma distinção entre indivíduos que não têm histórico de atividades criminosas ilícitas daqueles que estão verdadeiramente envolvidos neste espectro do tráfico de drogas, inclusive, diante da expressão de um grau mais significativo de potencial prejuízo à sociedade.

Na Exposição de Motivos, quando da edição da Lei 11.343/06, assim constou:

Outra questão tratada pelo projeto, e que em sendo objeto de profunda discussão, é a que se refere ao pequeno traficante, de regra dependente, embora imputável, para quem sempre se exigiu tratamento mais benigno. Não olvidando a importância do tema, e a necessidade de tratar de modo diferenciado os traficantes profissionais e ocasionais, prestigia estes o projeto com a possibilidade, submetia ao atendimento a requisitos rigoroso como convém, de redução das penas, ao mesmo tempo em que se determina sejam submetidos, nos estabelecimentos em que recolhidos, ao necessário tratamento

No presente caso, o acervo probatório adunado aos autos não se afigura suficientemente robusto para estabelecer de forma inequívoca a intensidade e a recorrência com que se entregava a tal nefasta empreitada.

Ademais, cumpre ressaltar que o apelante não ostenta registro criminal.

Logo, conclui-se que é inverossímil sustentar que se entregava de forma assídua à atividade delituosa quando não se vislumbram provas no presente contexto.

Nesse oriente:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. PROCESSO EM ANDAMENTO. ELEMENTO QUE, POR SI SÓ, NÃO PERMITE A CONCLUSÃO DE QUE O ACUSADO SE DEDICA A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não há óbice a que a existência de processos em andamento ou mesmo de condenações ainda sem a certificação do trânsito em julgado possa, à luz das peculiaridades do caso concreto, ser considerada elemento apto a demonstrar, cautelarmente, eventual receio concreto de reiteração delitiva (ensejando, por conseguinte, a necessidade de prisão preventiva para a garantia da ordem pública) ou mesmo para evidenciar a dedicação do acusado a atividades criminosas. 2. O julgador, dentro de sua discricionariedade juridicamente vinculada, pode livremente valorar as provas carreadas aos autos e os demais dados constantes do processo - entre eles, feitos criminais em curso ou condenações ainda pendentes de definitividade - para, se for o caso, se convencer de que o agente não é merecedor do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, por se dedicar a atividades criminosas. 3. Não basta a existência de uma condenação anterior ou de um processo em andamento para, por si só, autorizar a conclusão de que o acusado se dedica a atividades criminosas, notadamente quando o crime anterior em nada interferir na compreensão de que se trata de um pequeno traficante ou de um traficante ocasional. 4. A simples existência de uma única anotação em desfavor do réu, em que é acusado da suposta prática dos crimes de furto e de receptação - por fatos supostamente cometidos em 2013, ou seja, aproximadamente 2 anos antes da prática do delito objeto deste recurso - não permite, isoladamente, a conclusão de que se dedica a atividades criminosas ou de que faça do tráfico de drogas o seu meio de vida. 5. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 1393984 GO 2018/0292574-1, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 21/05/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2019)

Ademais, o Ministério Público não conseguiu demonstrar sua participação em organização criminosa, no que se superam os requisitos.

Logo, diante de hiato probatório consistente e da carência de elementos convincentes que corroborem a dedicação do apelante à empreitada criminosa, preenchidos os demais requisitos legais, não há motivos para obstar a aplicação da causa especial de diminuição de pena consubstanciada no § 4º do artigo 33, da LD, na fração de 2/3 (dois terços), em virtude de que o apelante ostenta a qualidade técnica de primariedade, além de possuir histórico em sua vida ante acta favorável.

Desta forma, na 3ª fase, ausentes causas de aumento, contudo presente a causa de diminuição de pena, conforme alhures exposto, decoto a fração de 2/3 (dois terços) e fixo a pena definitiva em 01 (um) ano e 08 (oito) meses e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, inalterado o limite unitário (1/30 s.-m.).

A pena há de ser cumprida no regime aberto.

Da substituição da pena privativa

No contexto do tráfico de substâncias entorpecentes, desde o julgamento do Habeas Corpus 111.840, inexiste a imperatividade do cumprimento inicial em regime fechado para os indivíduos condenados por delitos hediondos e equiparados, demandando, ainda nestas circunstâncias, a observância das disposições contidas no artigo 33, §§ 2º e 3º, conjugadas ao artigo 59, todos do Código Penal.

Neste contexto, ao proceder à análise dos autos, foi factível constatar a presença do motivo redutor previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, em favor do apelante, o que redundou na diminuição da sanção penal.

Com efeito, quanto à viabilidade de substituição da pena nos crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, o Supremo Tribunal Federal, em 1º de setembro de 2010, no julgamento do Habeas Corpus 97.256 do Rio Grande do Sul, declarou de forma incidente a inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 33 e do artigo 44, ambos da Lei de Drogas, no que concerne à proibição de conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos para os indivíduos condenados por tráfico de substâncias entorpecentes. Assim, preenchidos os requisitos delineados pelo artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por uma pena restritiva de direitos.

No caso sub judice, constato que as particularidades recomendam enfaticamente a adoção da substituição penal. Tratando-se de apelante primário, sujeita a uma pena privativa de liberdade inferior a 4 anos de reclusão, a natureza do entorpecente objeto do tráfico não impõe óbice à conversão da pena. Portanto, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos.

Desse modo, substituo a pena corpórea por duas restritivas de direitos, consistentes em: (a) prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo período previsto na pena privativa de liberdade; e (b) prestação pecuniária no valor de dois salários-mínimos, podendo ser resgatada em até 20 (vinte) parcelas de igual valor, devendo juiz da execução indicar o local para execução da medida de serviços comunitários e a entidade destinatária das prestações pecuniárias.

Ao teor do exposto, ACOLHO o parecer ministerial, CONHEÇO do apelo e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para redimensionar as penas aplicadas.

É como voto.

Goiânia – GO (datação conforme assinatura eletrônica).

(assinatura eletrônica - art. 1º, § 2º, inciso III, Lei 11.419/2006) 

Desembargador LINHARES CAMARGO



Relator

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão presencial, no mérito, à unanimidade de votos, acolhendo o parecer ministerial de Cúpula, para CONHECER do apelo e DAR-LHE PARCIAL provimento, nos termos do voto do relator, proferido no extrato da ata de julgamento.

Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Linhares Camargo.

Procuradoria-Geral de Justiça representada conforme extrato da ata.

 

Goiânia – GO (datação conforme assinatura eletrônica).

 

 

(assinatura eletrônica - art. 1º, § 2º, inciso III, Lei 11.419/2006)

Desembargador LINHARES CAMARGO

Relator

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