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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
Processo nº: XXXXXXXXXXX.2024.8.09.0024
Apelante: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Apelado: Ministério Público do Estado de Goiás
Origem: 2ª Vara Criminal da Comarca de Caldas Novas - Estado de Goiás
TJGO 2ª Câmara Criminal
Des. Relator: EDISON MIGUEL DA SILVA JUNIOR
RAZÕES DE APELAÇÃO
COLENDA CÂMARA, DOUTOS JULGADORES,
I – SÍNTESE FÁTICA E PROCESSUAL
Trata-se de recurso de apelação interposto por XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, condenada à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 dias-multa pela prática do crime de tráfico de drogas, tipificado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Conforme descrito na denúncia, no dia 04 de junho de 2024, por volta das 22h33min, na Praça Mestre Orlando, no centro da cidade de Caldas Novas/GO, policiais militares abordaram XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, após receberem denúncias anônimas via 190, que a identificavam como uma mulher trajando short curto e camiseta de time, supostamente envolvida na venda de drogas. Na revista pessoal, foram apreendidas 8 pequenas porções de maconha, totalizando 7,2g, e a quantia de R$ 134,00 em dinheiro fracionado.
A abordagem e a prisão de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX ocorreram com base na denúncia anônima, sem qualquer diligência prévia para confirmar as informações recebidas. Posteriormente, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXfoi presa em flagrante e mantida em custódia. No decorrer do processo, as testemunhas de acusação, policiais militares, foram ouvidas, resultando em uma condenação baseada nos depoimentos dos agentes e nas provas materiais encontradas no momento da abordagem.
A defesa, durante todo o processo, sustentou a ausência de provas suficientes que pudessem confirmar a prática de tráfico de drogas, além de apontar inconsistências e contradições nos depoimentos dos policiais que participaram da abordagem.
Diante da sentença condenatória proferida pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Caldas Novas, a defesa interpõe o presente recurso de apelação, visando a nulidade da abordagem pela ausência de fundadas suspeitas, a ilicitude das provas obtidas e, subsidiariamente, a desclassificação do delito para posse de drogas para uso pessoal, nos termos do artigo 28 da Lei 11.343/2006.
II – PRELIMINAR DE NULIDADE DA ABORDAGEM SEM FUNDADAS SUSPEITAS
A presente apelação visa, inicialmente, demonstrar a nulidade absoluta da abordagem realizada contra a apelante XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, pela ausência de fundadas suspeitas, em desacordo com o art. 244 do Código de Processo Penal, que exige que a busca pessoal seja justificada por circunstâncias objetivas que levem à suspeita de que o indivíduo esteja na posse de objetos ilícitos.
No caso dos autos, a abordagem que culminou na prisão da apelante foi fundamentada exclusivamente em uma denúncia anônima, sem qualquer diligência prévia que pudesse confirmar a veracidade da informação ou justificar a invasão da esfera de direitos fundamentais da apelante. Segundo o relato da denúncia, os policiais receberam denúncias anônimas via 190, as quais informavam que uma mulher trajando short curto e camiseta de time estaria envolvida com o tráfico de drogas na Praça Mestre Orlando, em Caldas Novas.
A simples denúncia anônima, sem qualquer elemento adicional de investigação, não é suficiente para justificar a busca e a revista pessoal, conforme entendimento consolidado tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A jurisprudência dessas Cortes, especialmente no julgamento do Recurso Extraordinário nº 603.616, estabeleceu que uma denúncia anônima deve ser corroborada por diligências prévias que verifiquem sua veracidade, o que não ocorreu no presente caso.
A previsão legal contida no artigo 5º, §3º, do Código de Processo Penal é clara ao determinar que, ao receber uma denúncia, a autoridade policial deve, antes de tomar qualquer medida repressiva, verificar a procedência das informações. No entanto, no caso em tela, a abordagem foi realizada sem qualquer investigação prévia ou indícios concretos que pudessem fundamentar as fundadas suspeitas exigidas pelo ordenamento jurídico.
O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado em suas decisões que a abordagem fundamentada apenas em denúncias anônimas, desacompanhada de outros elementos probatórios, configura ato ilegal. Em decisão proferida no RHC nº 158.580/BA, foi destacado que:
"Não são suficientes, para embasar a abordagem policial, meras informações de fonte anônima ou intuições dos policiais, sem que haja diligências para verificar a veracidade dessas informações. Caso contrário, estaremos diante de abordagens baseadas apenas em suposições, o que fere frontalmente o artigo 244 do Código de Processo Penal, que exige fundada suspeita."(RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/04/2022).
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem igual compreensão quanto insuficiência da denúncia anônima para justificar a abordagem policial.
HABEAS CORPUS N. 5743685-09.2024.8.09.0051COMARCA : GOIÂNIAIMPETRANTES : TIAGO COELHO CAVALCANTE RIBEIRO e LARISSA RAMOS DE SOUZAPACIENTE : JOSIMAR FERREIRA DO NASCIMENTORELATOR : DENIVAL FRANCISCO DA SILVA Juiz Substituto em 2º Grau EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO DECRETADA DE OFÍCIO. INOCORRÊNCIA. ILEGALIDADE DO FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. 1 A priori, vislumbro que o Ministério Público, pugnou pela conversão da Prisão em Preventiva, assim, não há que se falar em cárcere decretado de ofício. 2 Ausentes as fundadas razões da busca pessoal, pois conduzir motocicleta em via pública acima da velocidade, não justifica a medida. Assim, não ficou demonstrado, de modo suficiente, para além da dúvida razoável, que os elementos relativos à prática de infração penal se hajam obtidos de modo lícito. Ou seja, que se tenha coletado em perímetro de atuação preventiva pela polícia ostensiva (militar), desaproximando-se, por conseguinte, do indispensável à sua validez, eis que concretizada fora das hipóteses constitucionais e legais. 3 Não configurada justa causa, o trancamento do processo-crime é medida que se impõe, reconhecida a ilicitude das provas obtidas, de ofício. 4 Direito ao Esquecimento. ORDEM CONHECIDA. PEDIDO DEFERIDO. DIREITO AO ESQUECIMENTO. DENIVAL FRANCISCO DA SILVA - (DESEMBARGADOR),4ª Câmara Criminal,Publicado em 06/09/2024 14:52:10
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5082746-72.2023.8.09.0011COMARCA DE SANTA CRUZ DE GOIÁSAPELANTE : MANUEL PAIXÃO SERRADOURADAAPELADO : MINISTÉRIO PÚBLICORELATOR: DENIVAL FRANCISCO DA SILVA Juiz Substituto em 2º Grau EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. BUSCA PESSOAL. NULIDADE. AVISO DE MIRANDA. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. 1 A jurisprudência dos superiores converge para a compreensão de que as "denúncias anônimas" não são suficientes para embasar a intervenção estatal. No caso, não foi adequadamente demonstrado, além de qualquer dúvida razoável, que os elementos relacionados à prática de infrações penais foram obtidos de maneira lícita. As meras "notícias anônimas" desacompanhadas de outros dados concretos não satisfazem esse requisito, e a alegação de tais denúncias não legitima uma abordagem policial. Portanto, a busca domiciliar realizada pelos Policiais Militares, baseada apenas nessas denúncias, é considerada ilegal, pois não havia justa causa evidente para tais diligências, e não foram apresentados registros das Denúncias. 2 A busca pessoal, decorrente dessa perquirição indevida, porque ausente situação de flagrante delito, eis que concretizada fora das hipóteses constitucionais e legais, é nula. Trata-se de abordagem seletiva. 3 Extração de confissão do Abordado, sem que lhe fosse assegurado o direito de se manter em silêncio (art. 5º, LXIII, CF). 4 Extensão de diligências, a partir desse ato ilegal e arbitrário, nula a busca e apreensão de objetos, não validando, ainda que ilícitos, em razão do vício ab initio. 5 O art. 244, do Código de Processo Penal não autoriza o implemento da busca pessoal corporificada porque o agente teria jogado um objeto no chão e saído correndo e, outrossim, de que seria ele o alvo de anômala ação exploratória e repressiva, incoincidentes com as atribuições dos representantes estatais que a efetivaram. A violação dessas regras e condições legais para a busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, ecoando, medularmente, nas demais provas que dela advirem em relação de causalidade. A busca pessoal foi ilegal. 6 A "fishing expedition" no processo penal é definida como uma busca probatória especulativa, realizada pelo Estado sem uma causa provável, alvo definido ou finalidade tangível, e muitas vezes desviando de seus limites autorizados, com o objetivo de encontrar elementos que possam atribuir responsabilidade penal a alguém. Isso se assemelha à ideia de pescar sem um alvo específico, na esperança de capturar alguma evidência incriminatória. No entanto, essa prática é inadmissível, pois viola o direito à não autoincriminação e impede o Estado de atuar fora dos limites da legalidade. O princípio de que os fins justificam os meios não se aplica no processo penal, onde a busca de provas deve ocorrer dentro das regras do jogo válido. Qualquer desvio dessas regras compromete o padrão ético do agir estatal, e a ilicitude dos elementos decorrentes dessa conduta deve ser declarada. 7 Direito ao Esquecimento reconhecido de ofício. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DE OFÍCIO, DIREITO AO ESQUECIMENTO. DENIVAL FRANCISCO DA SILVA - (DESEMBARGADOR),4ª Câmara Criminal,Publicado em 06/09/2024 14:52:09
No presente caso, a denúncia se baseou apenas em uma descrição genérica de uma mulher trajando roupas comuns, o que não pode ser considerado suficiente para configurar fundadas suspeitas. O simples fato de a apelante estar presente em um local onde, eventualmente, ocorrem práticas delituosas não legitima a revista pessoal, tampouco a apreensão realizada.
Assim, a abordagem foi realizada sem que houvesse elementos concretos que justificassem a invasão da privacidade da apelante, configurando a ilegalidade da abordagem e comprometendo todas as provas obtidas a partir dessa medida.
Logo, requer o reconhecimento da nulidade da busca pessoal lastreada em tão apenas em denúncia anônima. Caso não seja esse o entendimento desta câmara, em sede de fundamentação da decisão, requer seja feita a distinção do caso com os preceitos constitucionais, processuais, bem como dos precedentes invocados no presente apelo, nos termos do artigo 315, §2º, e incisos do Código de Processo Penal, sob pena de não ser considerada fundamentada.
III – DOS PONTOS CONTROVERTIDOS NOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS POLICIAIS
Além da nulidade já arguida, cumpre destacar as contradições e inconsistências nos depoimentos das testemunhas policiais que participaram da abordagem e prisão da apelante. As declarações dos policiais Lucas Felipe Santos Lopes Barbosa e Kaio Victor Afonso De Moraes Yosimura Guerra apresentam pontos controvertidos que fragilizam ainda mais as provas trazidas aos autos.
1. Origem e número de denúncias
- Policial Lucas Felipe: Afirmou que foram recebidas várias denúncias anônimas via 190, mencionando características genéricas da suspeita.
- Policial Kaio Victor: Declarou que houve uma única denúncia via comunicação funcional, não fazendo menção a denúncias anônimas.
Ponto controvertido:
A divergência quanto à origem e quantidade de denúncias gera dúvidas sobre a regularidade e a motivação da abordagem. Lucas fala em múltiplas denúncias anônimas, enquanto Kaio refere-se a uma única denúncia formal, revelando falta de clareza nas informações que embasaram a abordagem.
2. Reação das pessoas no local durante a abordagem
- Policial Lucas Felipe: Mencionou que algumas pessoas fugiram ao avistar a viatura e que XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX tentou evadir-se, mas foi detida.
- Policial Kaio Victor: Afirmou que ninguém fugiu e que todas as pessoas presentes no local, incluindo Gabriela, obedeceram às ordens policiais.
Ponto controvertido:
Há uma contradição direta entre os depoimentos sobre a reação das pessoas no local. Enquanto Lucas afirmou que houve fuga, Kaio foi claro ao dizer que todas as pessoas permaneceram no local e foram abordadas sem resistência. Essa contradição mina a credibilidade dos depoimentos.
3. Resistência de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX à abordagem
- Policial Lucas Felipe: Não mencionou qualquer resistência por parte de Gabriela.
- Policial Kaio Victor: Declarou que XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX resistiu verbalmente, recusando-se a ser algemada.
Ponto controvertido:
A resistência de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX também é descrita de maneira inconsistente. Enquanto Lucas nada mencionou sobre resistência, Kaio relatou que houve resistência verbal, o que é uma divergência significativa sobre a conduta da acusada durante a abordagem.
4. Acondicionamento da droga
- Policial Lucas Felipe: Declarou que as drogas estavam em uma "bolsinha", sem maiores detalhes.
- Policial Kaio Victor: Afirmou que as drogas estavam em sacos plásticos pretos, guardados em uma bolsa tipo porta-moedas.
Ponto controvertido:
Há uma discrepância quanto à descrição do acondicionamento da droga. Kaio foi mais preciso em seu depoimento, enquanto Lucas ofereceu uma versão mais vaga. Essa diferença gera dúvida quanto à precisão dos fatos apresentados.
Essas contradições comprometem a confiabilidade das provas testemunhais, demonstrando que a condenação foi proferida sem a certeza necessária. Diante das incoerências entre as declarações dos policiais, o princípio do in dubio pro reo deve ser aplicado, pois insuficientes as provas produzidas, para além de uma dúvida razoável, de modo a se lastrear um provimento condenatório, favorecendo, assim, a absolvição da apelante. Caso não seja esse o entendimento desta câmara, em sede de fundamentação da decisão, requer seja feita a distinção do caso com os preceitos constitucionais, processuais, bem como dos precedentes invocados no presente apelo, nos termos do artigo 315, §2º, e incisos do Código de Processo Penal, sob pena de não ser considerada fundamentada.
IV – DA ILICITUDE DAS PROVAS POR DERIVAÇÃO
Em decorrência da ilegalidade da abordagem, todas as provas obtidas devem ser consideradas ilícitas e desentranhadas dos autos, conforme o artigo 157 do Código de Processo Penal, que adota a teoria dos frutos da árvore envenenada. De acordo com essa teoria, as provas que são decorrentes de uma ação ilícita também são contaminadas e, portanto, inadmissíveis.
A única prova que fundamenta a denúncia contra a apelante é a apreensão de 7,2g de maconha e a quantia de R$ 134,00 realizada durante a busca pessoal. No entanto, sendo a abordagem considerada ilegal, todas as provas obtidas dessa ação também são nulas, incluindo o flagrante da droga.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores é uníssona em reconhecer que provas obtidas de forma ilícita contaminam todo o processo, tornando-o insustentável. O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, reiterou que:
"As regras de experiência e o senso comum, somados às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à alegação de que a abordagem policial foi realizada de forma regular. A inexistência de fundadas suspeitas macula toda a prova obtida, e, portanto, a ação penal deve ser trancada." (STJ - AgRg no HC: 861086 MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/02/2024).
No mesmo sentido o TJGO entende que as provas são ilícitas por derivação, vejamos:
Habeas Corpus 5005411-51. Tráfico (933,791g de maconha). Decisão que converteu a prisão flagrancial em preventiva. Habeas corpus sustentando ausência de requisitos para prisão preventiva (fundamentação genérica), predicados pessoais favoráveis e possibilidade de aplicação de outra medida cautelar menos gravosa. (1) Conforme o direito e circunstâncias do fato, não havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a busca pessoal e domiciliar, vez que a medida invasiva ocorreu apenas em razão de denúncia anônima e impressões subjetivas dos agentes policiais, apenas relacionadas ao fato de o paciente conversar com outro indivíduo que evadiu-se do local ao avistar a viatura policial, estando ausente a excepcionalidade da revista pessoal e domiciliar ocorrida em seguida. Assim, conforme exigido pelo art. 244 do CPP, tem-se por ilícita a prova obtida e, por consequência, todas as demais que dela decorreram, impondo-se o trancamento do inquérito policial por ausência de justa causa e o relaxamento da prisão preventiva impugnada. (2) Ordem de habeas corpus conhecida e concedida. Expedição de alvará de soltura. DESEMBARGADOR EDISON MIGUEL DA SILVA JUNIOR - (DESEMBARGADOR),2ª Câmara Criminal, Publicado em 03/02/2023 11:29:52
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5015915-87.2021.8.09.0051 3ª CÂMARA CRIMINAL COMARCA : GOIÂNIA APELANTE : MATHEUS GUSTAVO DE MEDEIROS MELO APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATORA : Des. CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA E-mail: mlcotolentino@tjgo.jus.br EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL CONTRA AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. RESISTÊNCIA. DESACATO. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PORTE DE ARMA BRANCA. SOCO INGLÊS. ILEGALIDADE NÃO CONSTATADA. Descabida a alegação de inépcia da denúncia se esta preenche os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. Ademais, considera-se tal matéria preclusa quando alegada após a prolação da sentença penal condenatória. ILICITUDE DAS PROVAS. BUSCA PESSOAL. ATITUDE SUSPEITA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ABSOLVIÇÃO. Ausentes fundadas razões para a abordagem pessoal, realizada no contexto de suposta ocorrência de crime e justificada pela narrativa de que o apelante se encontrava sentando próximo a uma agência bancária, manuseando o seu aparelho celular, sem referência à prévia investigação, monitoramento ou indícios da prática criminosa que autorizariam uma abordagem, remanescendo, daí, uma busca pessoal ilegal e culminando na ilicitude das provas dela obtidas, restando imperiosa a absolvição da imputação, nos termos do art. 386, incisos II e VII, do Código de Processo Penal, é medida que se impõe. PARECER DESACOLHIDO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ABSOLVER O APELANTE EM RAZÃO DA NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. DESEMBARGADORA CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA - (DESEMBARGADOR),3ª Câmara Criminal, Publicado em 05/06/2024 14:51:16
Dessa forma, requer-se o reconhecimento da ilicitude das provas, e das demais por derivação, e, por conseguinte, a nulidade de toda a ação penal, uma vez que a acusação foi fundamentada exclusivamente em provas obtidas de forma ilícita. Caso não seja esse o entendimento desta câmara, em sede de fundamentação da decisão, requer seja feita a distinção do caso com os preceitos constitucionais, processuais, bem como dos precedentes invocados no presente apelo, nos termos do artigo 315, §2º, e incisos do Código de Processo Penal, sob pena de não ser considerada fundamentada.
V – DA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE POSSE PARA USO PRÓPRIO
(ART. 28 DA LEI 11.343/2006)
Subsidiariamente, caso não seja acolhido o pedido de absolvição, requer-se a desclassificação da conduta imputada à apelante para o crime de posse de drogas para consumo pessoal, conforme previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006, tendo em vista a ausência de elementos concretos que comprovem a mercancia da substância apreendida.
No presente caso, a quantidade de droga apreendida com a apelante foi de 7,2g de maconha, fracionada em 8 pequenas porções. É relevante observar que não foram encontrados com XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX quaisquer elementos típicos da prática do tráfico de drogas, como balanças de precisão, cadernos de anotações, substâncias para mistura ou grande quantia de dinheiro. O único valor encontrado foi R$ 134,00 em dinheiro fracionado, o que é absolutamente insuficiente para caracterizar, por si só, a traficância.
A conclusão pela prática de tráfico de drogas foi baseada exclusivamente na presunção dos policiais, que, ao apreenderem essa pequena quantia de droga juntamente com R$ 134,00, presumiram que a apelante estaria envolvida na comercialização de entorpecentes. No entanto, tal conclusão não é amparada por qualquer prova concreta ou circunstância fática que evidencie a mercancia, sendo baseada unicamente em uma interpretação subjetiva dos agentes de segurança, o que não pode servir como fundamento para uma condenação por tráfico de drogas.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659, estabeleceu que a pequena quantidade de drogas, quando não acompanhada de outros elementos que comprovem a mercancia, deve ser considerada como indicativa de uso pessoal, e não de tráfico.
Logo, subsidiariamente, requer a desclassificação para o porte de consumo, nos termos acima expostos. Caso não seja esse o entendimento desta câmara, em sede de fundamentação da decisão, requer seja feita a distinção do caso com os preceitos constitucionais, processuais, bem como dos precedentes invocados no presente apelo, nos termos do artigo 315, §2º, e incisos do Código de Processo Penal, sob pena de não ser considerada fundamentada.
VI – DO PREQUESTIONAMENTO
A defesa, em estrito cumprimento ao que estabelece a Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestiona a matéria, com vistas a possibilitar a interposição de recursos extraordinários. Assim, requer expressamente a manifestação da Egrégia Câmara sobre os seguintes dispositivos legais e constitucionais:
1. Violação ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, tendo em vista que a abordagem e a busca pessoal da apelante ocorreram sem qualquer elemento objetivo e concreto que justificasse a intervenção estatal.
2. Violação ao artigo 244 do Código de Processo Penal, que exige a presença de fundada suspeita para a realização de busca pessoal, o que não ocorreu no caso concreto, pois a abordagem foi baseada apenas em denúncia anônima.
3. Aplicação do artigo 157 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, incluindo as provas derivadas da busca pessoal ilegal.
Requer-se, portanto, que sejam apreciadas as referidas matérias, com o objetivo de possibilitar a interposição de recurso especial e recurso extraordinário, se necessário.
VII – DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer-se:
1. O reconhecimento da nulidade da abordagem policial, por ausência de fundadas suspeitas que a justificassem, a ilegalidade o meio de obtenção de prova, com a consequente ilicitude da prova obtida e de todas as que dela derivarem, nos termos do artigo 157 do Código de Processo Penal;
2. A absolvição de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, com fundamento no artigo 386, inciso II, V e VII, do Código de Processo Penal, pela ausência de provas lícitas que sustentem a acusação;
3. Subsidiariamente, caso não seja acolhida a preliminar de nulidade, requer-se a desclassificação da conduta para o crime de posse de drogas para uso pessoal, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006, tendo em vista a pequena quantidade de droga apreendida e a ausência de elementos concretos que indiquem a prática de tráfico;
4. A fundamentação da decisão, nos termos do artigo 315, §2º, e incisos do Código de Processo Penal, sob pena de não ser considerada fundamentada, com o enfrentamento de todas as teses apresentadas pela defesa;
5. Caso mantida a condenação, que seja reduzida a pena ao mínimo legal, com a aplicação de medidas alternativas, se cabível;
6. Que seja oportunizada a sustentação oral durante a sessão de julgamento, a fim de apresentar argumentos complementares e esclarecer dúvidas que eventualmente surgirem, o que desde já manifesta a defesa pelo seu interesse.
Termos em que,
Pede e espera deferimento.
Goiânia, 18 de setembro de 2024.
(assinatura digital)
Paulo Castro
Advogado
OAB/GO 51.015
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