Apelação Criminal nº 5723690-13.2023.8.09.0126
Comarca: Pirenópolis
Apelante: Odilio Pereira de Amorim
Apelado: Ministério Público
Relator: Desembargador Sival Guerra Pires
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL (TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO). FLAGRANTE FORJADO. ILEGALIDADE DA AÇÃO POLICIAL. NULIDADE DAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO. RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO. INVIABILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. Se ausente provas que os agentes de segurança forjaram uma situação flagrancial, descabido falar em flagrante nulo. 2 Persistindo dúvida concreta acerca da legalidade da atuação policial, imperiosa o reconhecimento da invalidade do conjunto probatório e, por conseguinte, a absolvição. 3. A restituição de coisas apreendidas está condicionada à ausência de dúvida de que o requerente é seu legítimo proprietário, bem como à licitude de sua origem (CPP, art. 120 e art. 121, c/c CP, art. 91, II), de modo que, ausente qualquer um dos requisitos, inviável a devolução do bem, ressalvada a discussão do tem em 1º grau. 4. Apelo conhecido e provido em parte.
A C Ó R D Ã O
VISTOS, relatada e discutida a presente Apelação Criminal, autos nº 5723690-13.2023.8.09.0126, da Comarca de Pirenópolis, em que é Apelante Odilio Pereira de Amorim e Apelado Ministério Público.
ACORDAM, os integrantes da Terceira Turma da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de votos, desacolhendo o parecer ministerial de cúpula, em conhecer e prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do Relator.
Votaram com o Relator, o Doutor Denival Francisco da Silva (em subst. ao Desembargador Linhares Camargo) e o Desembargador Wild Afonso Ogawa.
Esteve presente o Doutor José Alessandro da Silva Ferreira, OAB/GO 44393 N.
Presidiu o julgamento o Desembargador Adegmar José Ferreira.
Presente a Procuradora de Justiça, Doutora Suzete Prager de Oliveira Freitas.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Desembargador Sival Guerra Pires
Relator
Apelação Criminal nº 5723690-13.2023.8.09.0126
Comarca: Pirenópolis
Apelante: Odilio Pereira de Amorim
Apelado: Ministério Público
Relator: Desembargador Sival Guerra Pires
VOTO
I. Juízo de admissibilidade
Presentes os requisitos, o recurso deve ser conhecido.
II. Contextualização
O Ministério Público ofereceu denúncia (mov. 49) em desfavor do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, Lei nº 11.343/06), porque, em 30/10/2023, foi flagrado transportando 2 porções de material petrificado, de cor amarela, pesando cerca de 49,15g, e 1 porção e material pulverizado, de cor esbranquiçada, com massa bruta de 5,66g, que revelaram conter "cocaína", sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Narra a peça:
"Consta do incluso caderno investigativo que, no dia dos fatos, policiais militares receberam nformações acerca de um indivíduo que estaria transportando drogas, de Corumbá de Goiás/GO para esta cidade, com o intuito de entregá-la a um usuário, conhecido como Marco Aurélio Triers.
Ante as informações recebidas, a equipe policial intensificou o patrulhamento pelo local e, então, localizou o denunciado ODILIO PEREIRA DE AMORIM, que estava conduzindo seu veículo VW/SAVEIRO, de cor branca, placa ONY0C68, vindo de Corumbá de Goiás, nas proximidades daentrada desta cidade.
Por sua vez, Marco Aurélio Triers estava em seu automóvel VW/SAVEIRO, cor prata, placa J103B40, nas imediações do Posto Sauro, na entrada da cidade.
Após abordagem, durante busca veicular, os policiais localizaram, no interior do veículo do denunciado, embaixo do banco do passageiro, as drogas descritas acima, além de 01 (uma) balança de precisão, 03 (três) aparelhos telefônicos e R$ 1.961,20 (um mil novecentos e sessenta e um reais e vinte centavos), em espécie. conforme termo de apreensão constante à pág. 51-PDF (evento 30).
Também abordado pela polícia militar, Marco Aurélio confirmou que estava naquele local aguardando a entrega do entorpecente pelo denunciado, pois teria adquirido a droga dele pelo montante de R$ 570,00 (quinhentos e setenta reais), para consumo próprio."
A denúncia foi recebida em 18/12/2023 (mov. 53).
Após a tramitação processual, a pretensão acusatória foi julgada procedente, condenando o apelante à pena de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses, no regime inicial fechado, e 874 (oitocentos e setenta e quatro) dias-multa (mov. 188).
III. Ilegalidade do conjunto probatório
Nas razões, requer a nulidade das provas, ao argumento da ocorrência de um flagrante forjado em desfavor do acusado e violação de domicílio.
Entende-se por flagrante forjado a manipulação de uma cena com o intuito de caracterizar uma situação fática de flagrância delitiva, justificando a ação policial. O Superior Tribunal de Justiça diferencia-o de outros tipos de flagrantes, pontuando que "no flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede a sua consumação, cuidando-se, assim, de crime impossível; ao passo que no flagrante forjado a conduta do agente é criada pela polícia, tratando-se de fato atípico. Hipótese totalmente diversa é a do flagrante esperado, em que a polícia tem notícias de que uma infração penal será cometida e aguarda o momento de sua consumação para executar a prisão (HC n. 307.775/GO, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 11/03/2015)" (AgRg no HC n. 863.551/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024).
Na audiência de instrução e julgamento, os agentes militares Silvon Balbino de Araújo, Ary Alberto Nascimento Costa e Wellington Malheiros dos Santos deram, cada um, a sua versão de como ocorreu a ação policial:
“Que se recorda do fato; que através do serviço de inteligência obtiveram a informação sobre essa possível transação de drogas; que abordaram o primeiro veículo, mas não obtiveram êxito; que abordaram o segundo, o acusado, e encontraram droga com ele, dentro do carro; que não sabe dizer em que local do carro a droga foi encontrada; que se encaminharam a residência do acusado, mas não foi encontrado nada no local e depois o encaminharam a delegacia; que o Marco Aurélio informou que receberia essa droga do acusado; que não foi difícil abordar o acusado, porque ele já era conhecido do meio policial; […]; que o acusado é ativo no tráfico de drogas, com baixa quantia; [...]; que a balança, os celulares e o dinheiro foi encontrado no interior do veículo; que a priore a abordagem seria do Marco Aurélio; que o acusado foi preso na GO; que houve uma abordagem inicial, depois se encaminharam para residência do pai do acusado, pois sabiam que ele residia no local, onde nada foi encontrado; que conduziram os veículos até próximo a residência do acusado; que abordaram o Marco Aurélio primeiro e, na sequência, o acusado, com quem encontraram a droga, e foram com os dois até a casa do pai do acusado; que o Marco Aurélio foi abordado no posto Sauro, no qual estava parado, esperando ao acusado; Que ficou uma equipe com o Marco Aurélio e o depoente se deslocou para Corumbá para abordar o acusado, mas antes disso visualizaram o acusado e o abordaram na GO;” (PM Silvon Balbino De Araújo - mov. 90, arq. 1 e 3)”
“que, no dia, estava trabalhando como comandante da unidade e recebeu a informação do serviço de inteligência que um cidadão de nome Marco Aurélio receberia uma droga que viria de Corumbá, em posse das descrições do veículo, se deslocaram para o Posto Sauro no trevo; que permaneceu no posto e pediu a outra viatura par se deslocar no sentido contrário, sentido cidade de Corumbá; que passado alguns minutos, passou ali um veículo com as mesmas características, uma saveiro prata; que a sua viatura foi e fez a abordagem no posto do Marco Aurélio, com quem foi encontrada uma pequena porção de entorpecente, e ele revelou que estava aguardando o acusado, que traria uma droga para ele de Corumbá e estava em uma saveiro branco; Que passado alguns minutos, a outra viatura veio atrás dessa saveiro branco, na qual encontrou em baixo do banco, algumas porções de droga, maconha, alguns papelotes de cocaína, pedras de crack pequena, uma balança e dinheiro em espécie; que em conversa rápida com o acusado, ele revelou que morava em Corumbá e que os policiais poderiam ir até a sua residência, que não encontrariam mais nada; que se deslocaram até a residência e com autorização deste, procederam a busca domiciliar, mas não encontraram nada; que determinou que a viatura levasse o acusado e o usuário (Marco Aurélio) para a delegacia para lavrar o flagrante; que o Marco Aurélio informou que estava esperando a droga a ser entregue pelo acusado; que Marco Aurélio estava numa saveiro prata e o acusado em uma saveiro branco; que quando foram até a residência do acusado em Corumbá, o Marco Aurélio foi dirigindo o próprio carro e o acusado estava no carro dele junto de um policial; […]; que as duas abordagens ocorreu de forma instantânea, porque o depoente fez a abordagem do Marco Aurélio, enquanto a outra viatura fez a do acusado; [….]; que o acusado autorizou a entrada na sua residência; que foram as duas viaturas e as duas saveiros na residência; que foram para a casa do acusado por volta de 23h;” (PM Ary Alberto Nascimento Costa (mov. 90, arq. 2 e 3, e mov. 91, arq. 2)
“que estava apoiando a outra viatura, que recebeu a informação que o acusado estava levando droga para o Marco Aurélio, que é usuário; que o Marco Aurélio é conhecido do meio policial e com as informações conseguiu abordar as duas saveiros; que dentro do carro do acusado, foi encontrada toda a droga; que as duas viaturas estavam em conjunto e os dois carros foram abordados juntos na GO, que procederam a busca e encontraram a droga no carro do acusado; que a busca veicular não foi feita pelo depoente; que, depois da abordagem, se deslocaram para a casa do acusado, mediante a autorização dele, para ver se haveria mais drogas no local; que ficou do lado de fora da residência; […]; que estavam as viaturas atrás e o os veículos na frente; que o Marco Aurélio dirigia o veículo dele; que no veículo do acusado tinha junto um policial; […]; que não se recorda de detalhes, pois estava apenas apoiando a ocorrência; que toda droga foi encontrada dentro do carro do acusado;” (PM Wellington Malheiros Dos Santos - mov. 91, arq. 2 e 3).
Da atenta análise dos depoimentos, notam-se algumas divergências acerca de como ocorreu a ação policial. O policial militar Silvon Balbino De Araújo afirmou que primeiro foi abordado o Marco Aurélio no Posto Sauro, com quem nada foi encontrado, e, posteriormente, abordaram o acusado na rodovia, localizando toda a droga apreendida no veículo deste.
O agente público Ary Alberto Nascimento Costa relatou que as viaturas se deslocaram ao Posto Sauro, local em que sua equipe permaneceu e realizou a abordagem do Marco Aurélio, localizando com ele uma pequena porção de droga, enquanto, na mesma hora, outra viatura interceptou o acusado na rodovia e, na revista veicular, encontrou em baixo do banco, algumas porções de entorpecente, além de uma balança e dinheiro em espécie.
O militar Wellington Malheiros dos Santos narrou que as duas viaturas atuaram em conjunto, ocorrendo uma única abordagem na rodovia, na qual os dois veículos foram parados e revistados, porém encontrada substâncias ilícitas exclusivamente no carro do acusado.
Outrossim, apesar dos agentes alegarem que receberam informações do serviço de informações da Polícia Militar, inexiste no Inquérito Policial quaisquer indícios desta apuração preliminar realizada pelo referido setor de inteligência da instituição.
Por sua vez, contrariando narrativa dos policiais militares de que a abordagem ocorreu no município de Pirenópolis, as testemunhas de defesa Paula da Silva Santana e Fernando Rocha Fernandes Abrenhosa (vizinho do acusado), bem como a informante Natália de Sena Araújo (namorada do acusado) e o apelante afirmaram, em juízo, que a abordagem ocorreu próximo a residência do réu, em Corumbá de Goiás.
Segundo relatado por eles, o acusado, Paula da Silva Santana, Natália de Sena Araújo e sua filha retornavam de Cocalzinho de Goiás e, após pararem para comprar comida, ao virarem a esquina da rua da casa do réu, avistaram um veículo saveiro prata e uma viatura policial parados próximo ao domicílio daquele. Em seguida, outra viatura chegou por trás deles e os abordou de forma truculenta, proferindo xingamentos, ameaças e exigindo que indicassem qual imóvel era a residência do réu.
Depois de diversas agressões verbais e físicas, Natália de Sena Araújo cedeu e levou os policiais militares ao domicílio do acusado, sem a permissão deste. Os agentes procederam com a busca domiciliar, apreendendo 1 (uma) porção de cocaína em pó e 1 (uma) de crack na cozinha, além de dinheiro em espécie. Ainda, ao final, quando o acusado já estava detido na viatura, os militares retiraram e levaram embora as câmeras de segurança da residência.
Destaca-se que o vizinho do acusado Fernando Rocha Fernandes Abrenhosa confirmou a autoridade judiciária que presenciou o apelante não autorizando a entrada em sua residência e, depois de ser agredido pela Polícia Militar, franquear. Além disto, a informante Natália de Sena Araújo e o réu asseguraram que foram obrigados pelos agentes de segurança a gravar um vídeo assentido com busca domiciliar e nenhuma droga foi encontrada no veículo.
Malgrado dispensada a realização da sua oitiva judicial, na fase inquisitiva, Marco Aurélio Triers de Melo (usuário de drogas e testemunha ocular) apresentou duas versões diferentes da ocorrência. A primeira, na lavratura do Auto de prisão em flagrante, corroborando com a narrativa dos policiais. A segunda, 20 (vinte) dias depois, contradizendo a anterior e em consonância com o relato do acusado.
Colaciona-se abaixo os depoimentos:
“QUE já na data de hoje, quando o depoente estava próximo ao antigo Posto Sauro esperando para pegar a droga com o ODILIO, quando ele estava chegando nesta cidade, antes de passar pelo Portal desta cidade, o ODILIO acabou sendo abordado pela Polícia Militar que acabou encontrando drogas no veículo dele; RESSALTA-SE que praticamente no mesmo momento que o ODILIO foi abordado pela polícia militar o depoente também foi abordado, mas por outra viatura da Polícia Militar; QUE então, o depoente e o ODILIO foram conduzidos a esta Delegacia de Polícia para as providências cabíveis.” (Auto de prisão em flagrante – mov. 1, fl. 34)
“que no dia dos fatos estava vindo da cidade de Corumbá de Goiás-GO, na companhia de uma amiga e assim que o depoente chegou nesta cidade, assim que o depoente encostou o seu carro, duas viaturas da Policia Militar já encostaram ao lado do carro do depoente e o depoente foi abordado pela polícia; Que no decorrer da abordagem, os policiais foram grosseiros e ficaram oprimindo a amiga do depoente e em dado momento, quando a amiga do depoente ao entrar no carro, a mesma deixou cair uma porção de crack, ressaltando-se que a referida droga foi comprada aqui nesta cidade de Pirenópolis; QUE então, os policias falaram para o depoente que sabiam da conversa que o depoente tinha tido com o ODILIO, ressaltando-se que minutos antes o depoente trocou mensagens com o ODILIO para adquirir dele uma porção de crack porque a droga que tinha comprado nesta cidade não era boa; QUE então, os policiais falaram para o depoente acompanhá-los até a cidade de Corumbá de Goiás e assim o depoente fez; QUE já na cidade de Corumbá de Goiás, em uma rua que o depoente não sabe dizer qual seja, foi ordenado ao depoente que ficasse dentro do carro junto com a sua amiga e uma viatura ficou próximo ao carro do depoente lhe vigiando; QUE minutos depois desceu a rua duas viaturas e o depoente não viu o ODILIO e acredita que o mesmo estava dentro de uma das viaturas e seguida, depoente foi conduzido a esta Delegacia de Polícia;” (Termo de Depoimento – mov. 30, fls. 271/273)
Nesse contexto, face as narrativas apresentadas sobre como ocorreu a ação policial e as informações constantes nos autos inviável afirmar a ocorrência de um flagrante forjado, visto que foram encontradas drogas com o acusado.
Por outro lado, é de se reconhecer que os elementos de convicção obtidos na persecução penal deixam de comprovar a legalidade da atuação policial, dadas as dúvidas sobre a abordagem – onde ocorreu, se em Pirenópolis ou Corumbá de Goiás, como a equipe policial tomou conhecimento sobre a existência da droga, se foram descobertas drogas no veículo ou na residência do acusado, se foi autorizada ou não a entrada da Polícia Militar, se houve ou não agressão policial.
Ademais, a acusação não cuidou de trazer Marco Aurélio Triers de Melo para ser ouvido em juízo, com fim de esclarecer quais das versões apresentas na fase inquisitorial é verdadeira e como ocorreu de fato a ação policial, devido suas conflitantes declarações.
Destarte, o conjunto probatório apresentado é incapaz de exprimir a lisura da ação policial, permanecendo incertezas sobre a lisura da atuação policial. À míngua de elementos probatórios mais densos, especialmente no que se refere à abordagem, a respectiva conclusão seria decorrente da íntima convicção, violando o devido processo legal e a ampla defesa, que, para condenação, exigem racional convencimento.
A propósito, sequer ficou caracterizada a urgência que dispensasse a expedição de prévia autorização judicial, nem que seria impossível que se conseguisse, a tempo, um mandado para a execução da invasão domiciliar.
Por oportuno, o fato de terem sido encontradas drogas tampouco convalida a ação policial. Se não havia fundada suspeita, pautada em elementos objetivos, da existência da droga no domicílio, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior ao adentramento e à busca domiciliar, justifique a medida.
Por conseguinte, imperiosa absolvição do acusado pelo delito de tráfico de drogas, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
IV. (In)viabilidade na restituição dos bens e valores
Ao fim, a defesa requer a restituição dos objetos e valores apreendidos em poder do acusado.
Com efeito, considerando que o perdimento de bens se classifica como efeito extrapenal genérico da sentença condenatória transitada em julgado, com a absolvição do acusado nesta instância, tal penalidade não mais subsiste.
Todavia, analisando os autos, resta inviável – neste momento – proceder à restituição dos aparelhos telefônicos, da balança e da quantia em dinheiro, uma vez que inexiste comprovação quanto à origem, se lícita ou ilícita.
A restituição de coisas apreendidas (independentemente de haver absolvição quanto ao crime descrito na denúncia) está condicionada tanto à ausência de dúvida de que o requerente é seu legítimo proprietário, quanto à licitude de sua origem, conforme as exigências postas nos artigos 120 e 121, do Código de Processo Penal, e artigo 91, inciso II, do Código Penal.
Dessa forma, descabida a entrega de bens e valores cuja propriedade e legalidade não foram satisfatoriamente comprovados. Porém, nada impede que haja nova análise sobre a questão (propriedade e licitude) em posterior postulação, por via própria, com respectiva produção probatória.
Nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE VALOR APREENDIDO. INTERESSE À PERSECUÇÃO PENAL. PROPRIEDADE E LICITUDE NÃO DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO PUNITIVA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS ACUSADOS. INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. ‘ A restituição das coisas apreendidas, mesmo após o trânsito em julgado da ação penal, está condicionada tanto à ausência de dúvida de que o requerente é seu legítimo proprietário, quanto à licitude de sua origem, conforme as exigências postas nos arts. 120 e 121 do Código de Processo Penal, independentemente de ser a sentença extintiva da pretensão punitiva ou mesmo absolutória’ (AgRg no AREsp n. 1.772.720/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/3/2021, DJe de 29/3/2021). 2. Na hipótese, concluiu o Tribunal de origem que, ‘tendo em vista que o numerário apreendido em seu poder está vinculado a prática ilícita ocorrida no âmbito da associação criminosa, voltada à prática do delito de contrabando de cigarros, cada integrante do grupo criminoso, independentemente da fração de fatos que lhe é imputada, responde integralmente por reparação de danos, bem como pelo perdimento dos produtos do crime ou seu equivalente’. 3. A alegação de que ‘a prescrição da pretensão punitiva também foi declarada em relação aos demais acusados na mesma ação penal, o que foi noticiado nestes autos, por meio de petição protocolada em 11/05/2023’, não foi apreciada pela instância de origem, o que, além de constituir inovação recursal, ressente-se do indispensável requisito do prequestionamento. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.064.062/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 28/8/2023)
V. Demais pedidos prejudicados
VI. Dispositivo
Ante o exposto, desacolho o parecer ministerial de cúpula e voto pelo conhecimento e provimento parcial do apelo para nulidade do conjunto probatório e, por conseguinte, absolver o acusado, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, ressalvada a integral discussão do tema referente à restituição perante o juízo de 1º grau.
É como voto.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Desembargador Sival Guerra Pires
Relator
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