O Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Águas Lindas de Goiás absolveu os réus Jeferson M. F. e Antônio V. M., acusados de porte e posse ilegal de arma de fogo, após uma defesa robusta conduzida pelo advogado Paulo Castro. A decisão foi tomada após a identificação de irregularidades na abordagem policial e na obtenção das provas utilizadas no processo.
O Caso
O Ministério Público havia denunciado Jeferson pela prática de porte ilegal de arma de fogo, com base no artigo 14 da Lei 10.826/03, e Antônio por posse irregular, conforme o artigo 12 da mesma lei. O caso começou após uma denúncia anônima que resultou na abordagem de Jeferson, seguida da apreensão da arma de fogo na residência de Antônio. Segundo a acusação, Jeferson teria pedido a Antônio que alegasse ser o proprietário da arma para evitar ser incriminado.
Defesa Técnica e Eficaz
A defesa, liderada pelo advogado Paulo Castro, questionou a legalidade da abordagem policial, argumentando que a ação se baseou exclusivamente em denúncias anônimas, sem que houvesse fundadas suspeitas, conforme exigido pela legislação. A busca pessoal e a invasão de domicílio, segundo a defesa, violaram direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelo Código de Processo Penal.
Além disso, a defesa de Antônio ressaltou a fragilidade das provas, alegando que não havia indícios suficientes para condenação. Em relação a Jeferson, a defesa pleiteou, subsidiariamente, a aplicação da pena mínima e o reconhecimento da confissão espontânea como atenuante, caso houvesse condenação. Entretanto, o foco principal foi a nulidade das provas e a consequente absolvição dos réus.
Decisão
O Juízo da 2ª Vara Criminal reconheceu a nulidade das provas obtidas na abordagem, destacando que a busca pessoal foi realizada com base em denúncias anônimas, sem elementos que configurassem "fundada suspeita". A irregularidade tornou inválidas todas as provas decorrentes da abordagem.
Na decisão, o Juízo enfatizou que denúncias anônimas, por si só, não justificam abordagens policiais sem um respaldo concreto. Com a ausência de provas independentes que pudessem sustentar a acusação, os réus foram absolvidos.
Vitória da Defesa
Paulo Castro celebrou a decisão, afirmando que "a justiça foi feita ao reconhecer a nulidade das provas obtidas de forma ilegal e ao garantir que não houvesse condenação sem provas concretas e lícitas".
A atuação técnica e cuidadosa da defesa foi essencial para garantir um julgamento justo e o respeito aos direitos constitucionais.
Desfecho
Com a decisão, Jeferson M. F. e Antônio V. M. foram absolvidos das acusações de porte e posse ilegal de arma de fogo. A arma apreendida será encaminhada ao Comando do Exército para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública, conforme a lei.
A atuação do advogado Paulo Castro foi fundamental para esse desfecho, reforçando a importância do respeito ao devido processo legal e aos direitos fundamentais no sistema de justiça.
Destaca-se a atual jurisprudência do STJ sobre o assunto:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. ART. 244 DO CPP. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA DA POSSE DE CORPO DE DELITO. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo o disposto no art. 244 do Código de Processo Penal, "A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar".
2. Por ocasião do julgamento do RHC n. 158.580/BA (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T, DJe 25/4/2022), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs criteriosa análise sobre a realização de buscas pessoais à luz do art. 244 do CPP e apresentou as seguintes conclusões: "a) Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. b) Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à 'posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito'. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como "rotina" ou 'praxe' do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. c) Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP. d) O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos - independentemente da quantidade - após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento "fundada suspeita" seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. e) A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência".
3. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Fernández Prieto & Tumbeiro v. Argentina (2020), reconheceu a existência de violação da Convenção Americana de Direitos Humanos pela Argentina em virtude de revista pessoal baseada apenas em parâmetros subjetivos e, por ocasião do julgamento, afirmou que: "[...] ante a ausência de elementos objetivos, a classificação de determinada conduta ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, obedece às convicções pessoais dos agentes intervenientes e as práticas dos próprios corpos de segurança, o que comporta um grau de arbitrariedade que é incompatível com o art. 7.3 da CADH".
4. No caso, a busca pessoal realizada no réu foi justificada com base apenas na alegação vaga de que haveria prévia denúncia anônima da prática de tráfico de drogas no local, o que, por si só, não configura fundada suspeita de posse de corpo de delito apta a validar a revista, conforme entendimento consolidado nesta Corte Superior.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 922.024/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024.)
A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, prevê em seu art. 11.2, que: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação."
Além disso, o art. 240, §1º do CPP estabelece a imprescindibilidade de fundadas razões para proceder-se à abordagem e busca pessoal. Ademais, as meras suspeitas, ou as chamadas "denúncias anônimas", não estão embasadas em dados concretos e objetivos, livres de qualquer subjetivismo, conforme posição majoritária dos Tribunais Superiores.
Cabe destacar que as duas Turmas Criminais do STJ entendem que a busca pessoal só pode ser realizada mediante elementos que comprovem haver fundada suspeita. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. BUSCA PESSOAL ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A notícia de crime por indivíduo não identificado, não é justificativa idônea para a abordagem e busca pessoal, ocorrida sem maior apontamento de lastro que evidencie em que consiste a atitude suspeita do investigado, sendo, pois, imperioso o reconhecimento da nulidade das provas obtidas a partir dessa atuação policial. 2. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 831.546/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NULIDADE. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS PARA A ABORDAGEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Não satisfazem a exigência legal [para se realizar a busca pessoal e/ou veicular], por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP" (RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022). 2. No caso em tela, a abordagem foi realizada em razão do suposto comportamento suspeito da paciente (ora agravada), que tentou correr e se esconder, ao avistar os policiais, o que, conforme decidido no Recurso em Habeas Corpus n. 158.580/BA, não é suficiente para justificar a busca pessoal, que resultou na apreensão de 64g (sessenta e quatro gramas) de maconha; 2g (dois gramas de cocaína; e 26g (vinte e seis gramas) de crack, porquanto ausentes fundamentos concretos que indicassem que ela estaria em posse de drogas, de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. 3. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 853.333/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023).
C om efeito, conforme se depreende da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, “se todas as provas que embasaram a denúncia derivaram da vistoria considerada ilegal, é de se reconhecer a imprestabilidade também destas” (STJ - HC: 392466 CE 2017/0058452-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 12/12/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/03/2018).
Assim, não demonstrada a existência de fundada suspeita de posse de corpo de delito para a realização da busca pessoal, conforme exigido pelo art. 244 do Código de Processo Penal, deve-se reconhecer a ilicitude da busca pessoal e, por consequência, de todas as provas dela derivadas, o que conduz à absolvição dos réus.
Abaixo a íntegra da decisão
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