APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5266049-26.2022.8.09.0011
COMARCA : APARECIDA DE GOIÂNIA
APELANTE : RICHARD KENNEDY MEDEIROS DOS SANTOS
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR : Des. LINHARES CAMARGO
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5266049-26.2022.8.09.0011COMARCA : GOIÂNIA APELANTE : RICHARD KENNEDY MEDEIROS DOS SANTOS APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : Des. LINHARES CAMARGO EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. BUSCA PESSOAL. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. O perlustrar do alfarrábio consente sondar que não ficou demonstrado de modo suficiente, para além da dúvida razoável, que os elementos relativos à prática de infração penal se tenham obtido de modo lícito, é referir, de que se houvesse coletado no perímetro da atuação preventiva pela polícia ostensiva, desaproximando-se, por conseguinte, do indispensável à sua validez, quer no que pertine à busca pessoal, eis que concretizada fora das hipóteses constitucionais e legais, quer, - proposição mais grave -, em relação ao ingresso domiciliar que se seguiu à prisão do apelante. A abordagem foi seletiva, por conseguinte. A ausência de advertência sobre seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (art. 5º, inc. LXIII ? o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado?, CF), após a voz de prisão em flagrante, ante localização de objetos como arma proibida, droga, papéis ou documentos que constituam corpo de delito (art. 240, § 2º, e art. 244, prim. parte, CPP), induz inexcedível recognição de invalidez de toda e qualquer expressão, assertiva, palavra, gesto ou revelação autoincriminatória extraída do preso, a contaminar de modo letífero todos os atos de investigação ou provas dela derivadas, pois inexistente, na espécie, a possibilidade de incidência das ausnahme von den ausschlussregeln (exclusionary rules ? regras de exclusão da ilicitude). Se assim não fosse (art. 186, caput, CPP) e o direito ao silêncio se tivesse que corporificar somente antes das declarações policiais e do interrogatório judicial do preso, poder-se-ia argumentar que o indiciado ou acusado que estiver solto não deverá ser cientificado de seu direito de permanecer calado. Alfim, relativamente a este temário, de dizer-se que a efetividade do nemo tenetur se detegere hospeda, em efetivo, de modo isonômico, o direito de não confessar, bem como não obriga o agente a dizer a verdade ou de se submeter a procedimento invasivo para efeito de produção de prova incriminadora, assegurando-se-lhe, outrossim, o de não ser compelido à realização de alguma conduta (ativa ou passiva) que pudesse resultar em sua inculpação, sem sua pessoal e livre anuência. Ora, a proposição que se interprende abrange a atuação daqueles que, em efetivo, protagonizaram o momento que referiram como se flagrans fosse, - como estivessem no crepitar do evento -, porque concerne aos agentes estatais (policiais militares, civis, federais, rodoviários federais, entre outros?), quando capturarem alguém nessa situação, cientificá-lo de todos os seus direitos, inclusive (e principalmente), o de ficar calado. Pontilhe-se, de mais a mais, - relativamente à prisão de qualquer pessoa, inclusive, no cumprimento de ordens emanadas de autoridades judiciárias sediadas em locais diversos daquele em que se efetiva a constrição pessoal, dês que previamente cadastradas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) -, o que preceitua o artigo 289-A, § 4º, do Código de Processo Penal, ao definir que o preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal (in verbis: Art. 5º. omissis? LXIII ? o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado) e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública (Lei 12.403/2011). II ? O artigo 244, do Cripto de Ritos Penais não autoriza o implemento da busca pessoal corporificada porque o agente conversava com um terceiro em seu portão e, outrossim, de que seria ele o alvo de anômala ação exploratória e repressiva, incoincidentes com as atribuições dos representantes estatais que a efetivaram. A violação dessas regras e condições legais para a busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, ecoando, medularmente, nas demais provas que dela advirem em relação de causalidade. A busca pessoal foi ilegal. III. A "fishing expedition" no processo penal é definida como uma busca probatória especulativa, realizada pelo Estado sem uma causa provável, alvo definido ou finalidade tangível, e muitas vezes desviando de seus limites autorizados, com o objetivo de encontrar elementos que possam atribuir responsabilidade penal a alguém. Isso se assemelha à ideia de pescar sem um alvo específico, na esperança de capturar alguma evidência incriminatória. No entanto, essa prática é inadmissível, pois viola o direito à não autoincriminação e impede o Estado de atuar fora dos limites da legalidade. O princípio de que os fins justificam os meios não se aplica no processo penal, onde a busca de provas deve ocorrer dentro das regras do jogo válido. Qualquer desvio dessas regras compromete o padrão ético do agir estatal, e a ilicitude dos elementos decorrentes dessa conduta deve ser declarada. IV. No que tange à inviolabilidade domiciliar, tampouco há informações sobre a autorização válida para entrar na residência por parte dos policiais. Portanto, os dados obtidos dessa maneira são ilícitos. É incontestável a conclusão de que tudo o que foi apreendido na residência do apelante, está marcado pela ilegalidade, sendo, portanto, de valor duvidoso e infesto de irregularidades. Logo, deve-se reconhecer sua inutilidade completa como prova no processo, devido à sua ilegalidade. Isso é respaldado pelo artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade da casa do indivíduo, proibindo a entrada sem consentimento do morador, a menos que seja em caso de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou por ordem judicial durante o dia. Todos os dados de informação (não são provas) foram obtidos de maneira ilícita, pois um policial só pode entrar na casa de alguém com um mandado judicial de busca e apreensão ou com fundadas razões de flagrante delito, o que não foi demonstrado. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
VOTO
O voluntário contempla os pressupostos de admissibilidade.
Manejado no lapso legal, conheço-o.
Reporto o protagonista por seu prenome.
Apelação interposta por RICHARD contra a sentença (mov. 133) que o condenou às penas de 05 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no regime inicial semiaberto, por infringência do tipo penal previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Postulou, preliminar de nulidade da abordagem. No mérito, requereu: (a) absolvição, por insuficiência de provas, nos termos do artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal; (b) subsidiariamente, afastamento da súmula 231 do STJ, a fim de que as penas sejam redimensionadas e aplicadas abaixo do mínimo legal, em virtude da atenuante da confissão espontânea; (c) reconhecimento do tráfico privilegiado com diminuição da fração em 2/3 (dois terços); (d) fixação do regime aberto para o início do cumprimento da pena; (e) substituição das penas por restritivas de direitos; (f) afastamento/redução da pena de multa e (g) deferimento/manutenção da gratuidade da justiça. (mov. 150).
O Ministério Público, em primeiro e segundo grau, manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (movs. 153 e 165).
I. Contextualização
Narra a exordial acusatória (mov. 26):
(…) No dia 07 de maio de 2022, por volta das 23h20min, na Rua Guará, qd. 02, em frente ao lote 01, bairro Internacional Park, nesta cidade, o denunciado trazia consigo, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 01 (uma) porção de substância entorpecente, popularmente conhecida como crack1 , destinada à difusão ilícita.
No mesmo dia, horário e local, o denunciado, em sua residência situada na Rua Guará, qd. 02, lt. 01, Internacional Park, nesta cidade, tinha em depósito, várias outras porções de entorpecentes (crack), igualmente destinadas à difusão ilícita, além de uma balança de precisão, conforme auto de exibição e apreensão2 , bem como laudo provisório de exame de constatação,
Narra o caderno informativo policial, que no dia e horário mencionados, uma equipe da Polícia Militar realizava patrulhamento de rotina pelo bairro Internacional Park, nesta cidade, quando visualizaram o denunciado e um indivíduo não identificado, em uma moto, conversando em frente a uma casa situada na Rua Guará, qd. 02, lt.01.
Ao perceber a presença policial, o motoqueiro evadiu-se do local e o denunciado, rapidamente, dispensou um objeto ao lado do portão da residência.
Diante disso, foi feita abordagem do denunciado e submetido à revista pessoal, porém nada foi encontrado de ilícito em seu poder. Contudo, ao averiguar o objeto que ele havia dispensado momentos antes, os policiais constataram que se tratava de uma peça de crack.
Ao ser indagado, o denunciado admitiu que comercializava entorpecentes no local, em frente a sua casa, bem como que os tinha em depósito.
Diante desse contexto fático e por conseguinte, de fundadas razões de existências, os policiais militares entraram na residência, sendo encontradas uma porção de crack, em cima da geladeira, outras 36 (trinta e seis) porções deste mesmo entorpecente e uma balança de precisão dentro de uma mochila em um quarto. Também foram localizadas a quantia de R$ 45,00 (quarenta e cinco) reais em dinheiro e diversos sacos plásticos zip lock.
Diante disso, o denunciado recebeu voz de prisão e foi encaminhado para a Central de Flagrantes de Aparecida de Goiânia. As substâncias ilícitas, sacos plásticos, dinheiro e a balança de precisão foram apreendidas.
Todo esse material, pesando 448,542 g (quatrocentos e quarenta e oito gramas, quinhentos e quarenta e dois miligramas), teve sua natureza entorpecente confirmada por laudo pericial provisório5 , que confirmou tratar de cocaína, substância proibida no Brasil “(…) pela Portaria SVS/MS nº 344/1998, atualizada por meio da RDC nº 581, de 02/12/21 da ANVISA.” Assim agindo, praticou o denunciado a conduta delitiva prevista no artigo 33, caput da Lei n.° 11.343/06 (…)
Recebida a denúncia em 21 de julho de 2023 (mov. 69).
Proferida sentença condenatória em 17 de abril de 2024 (mov. 133).
II. Da abordagem e busca pessoal
Sustenta o apelante, nas digitais de sua n. defensora, ilegalidade da abordagem.
Sem razão.
Denota-se das provas jurisdicionalizadas e colhidas sob a égide dos princípios constitucionais que:
(…) estavam em patrulhamento e chamou-lhe a atenção o fato de um rapaz estar na porta de uma residência conversando com outro de moto. Quando se aproximaram o indivíduo de moto arrancou no sentido contrário ao da viatura…Deram prioridade para abordar o indivíduo que estava na porta da residência. No local o autor jogou no chão um objeto grande, sendo que este era meia peça de crack… Indagou o autor sobre a peça e se ele tinha mais em casa, ao que aquele confirmou. Afirma que RICHARD franqueou a entrada na residência… (Testemunha, Jorge Alberto Vaz da Silva Júnior, policial militar – mov. 136, arq. 03).
(…) estavam realizando patrulhamento na região e o visualizaram parado no portão conversando com uma pessoa em uma moto. A pessoa que estava na moto, ao notar a presença da viatura, acelerou e saiu correndo, ao que RICHARD dispensou alguma coisa do lado de dentro do portão e ficou parado. RICHARD confirmou ser sua casa, assim como franqueou a entrada… Dentro do imóvel havia mais porções de drogas... (Testemunha, Laísa Silva Rodrigues Manzatto, policial militar - mov. 136, arq. 02).
(…) passaram em frente a residência de RICHARD e o rapaz que estava de moto, acelerou. RICHARD permaneceu na porta, bem como dispensou algo… Não se recorda onde estavam os entorpecentes dentro da residência… (Testemunha, Jonatas Gonçalves Ferreira, policial militar – mov. 136, arq. 01).
O apelante não compareceu à audiência, sendo decretada a sua revelia, não constando nos autos a sua versão dos fatos.
Com efeito.
As testemunhas Jorge Alberto Vaz da Silva Júnior, Laísa Silva Rodrigues Manzatto e Jonatas Gonçalves Ferreira, policiais militares, narraram que, durante um patrulhamento, visualizaram RICHARD, no portão de sua residência, conversando com um terceiro que se encontrava em uma moto. Este, ao notar a presença da viatura, evadiu.
Todavia, RICHARD dispensou algo ao lado de dentro do portão e permaneceu no local, oportunidade em que fora abordado e teria dito, após ser questionado pela testemunha Jorge Alberto Vaz da Silva Júnior, que em sua residência havia mais entorpecentes, ao que lhes franqueou a entrada.
Na residência foram encontradas as demais porções de entorpecentes.
Pontilhe-se que o Laudo de Perícia Criminal – Constatação de Drogas (EXAME Preliminar), evidenciou que foram apreendidas 02 (duas) porções de material petrificado de cor amarela, com massa bruta de 420 g (quatrocentos e vinte gramas) e “36 (trinta e seis) porções de material pulverizado de cor branca, com massa bruta de 28, 572 g (vinte e oito gramas e quinhentos e setenta e dois miligramas, conforme constante na movimentação 01, fls. 51/55).
Laudo de Perícia Criminal – Identificação de Drogas e Substâncias Correlatas – Exame Definitivo (mov. 39).
Pois bem.
Na espécie, de modo diverso do que alegado pelo apelante, a busca pessoal ocorreu nos moldes dos ditames legais, uma vez que durante o patrulhamento, a equipe policial notou a evasão de um terceiro em uma motocicleta, enquanto RICHARD dispensou uma porção de entorpecentes. Logo, verifica-se a presença de fundada suspeita apta a ensejar, tanto a abordagem, quanto a busca pessoal.
Nessa perspectiva, o parágrafo 2º do artigo 240, do Código de Processo Penal estabelece que a medida invasiva somente é autorizada na presença de fundada suspeita, in verbis:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
(...)
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
A propósito:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA. FUGA. LOCAL CONHECIDO PELO TRÁFICO. CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. "Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar." (AgRg no AREsp 1.403.409/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/3/2019, DJe 4/4/2019). 2. Na hipótese, os policiais mencionaram que estavam em patrulhamento de rotina em local já conhecido pelo crime de tráfico de drogas, viram o recorrente segurando uma sacola e este, ao perceber a presença da viatura, empreendeu fuga e dispensou esta sacola. Assim, estas circunstâncias são suficientes para configurar a "fundada suspeita", apta a justificar a abordagem policial em via pública. O local da abordagem, associado ao fato de o recorrente tentar dispensar uma sacola, são elementos indicativos de que ele estava na posse de droga, arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito. 3. Devidamente demonstrada a justa causa, não se vislumbra qualquer ilegalidade na atuação dos policiais, amparados que estão pelo Código de Processo Penal para abordar quem quer que esteja atuando de modo suspeito ou furtivo, não havendo razão para manietar a atividade policial sem indícios de que a abordagem ocorreu por perseguição pessoal ou por qualquer outro elemento subjetivo. 4. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp: 2053392 SP 2023/0045920-6, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 22/05/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/05/2023)
Matriz sem normandinho.
Destarte, presentes materialidade e autoria, não há se falar em ilegalidade na abordagem e busca pessoal, tampouco em absolvição, por insuficiência de provas.
III. Da busca domiciliar
De modo diverso, razão assiste o apelante no que pertine à busca domiciliar.
3.1 Atuação Policial: fishing expedition e violação domiciliar
Alexandre Morais da Rosa, em precioso artigo (A prática de fishing expedition no processo penal1), define esta prática do Estado como sendo uma pesca probativa, em que se empreende…
… a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem "causa provável", alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém…
A concretização da atividade ostensivo-preventiva se tem manifestado como aquela que povoa a mente do pescador, na crença e expectativa de que será bem-sucedido em sua iniciativa de ir a algum local, assim o pesqueiro, rio, lago, lagoa, represa, mar, oceano e ali exitará na captura de algum espécimen de peixe, para seu deleite, sobrevivência, comercialização.
O que se tem por fishing expedition emoldura-se como a prospecção indeterminada e genérica, em regra, destituída de zetética preliminar, - vedada à polícia ostensivo-preventiva, é referir, à Polícia Militar (PM) -, na perspectiva de se facear eventual situação que configure a prática de algum contingente delito e que lhe serviria de justificativa para legitimar as diligências de buscas concretizadas, sem que disponha de atribuições neste sentido.
No entanto, o preceito privilège contre l'auto-incrimination (privilege against self-incrimination ou privilegio contro l'autoincriminazione ou direito à não autoincriminação) erige-se como óbice intransponível à procura irresoluta e prognóstica, pois ao Estado não se consente atuar no limbo da ilegalidade.
Sendo assim, não se permite ao Estado lançar mão da máxima que adquiriu notoriedade na locução de Nicolau Maquiavel, - porém, presente na obra Heroides, do poeta romano Publio Ovídio Naso -, de que os fins justificam os meios, assim como consta em seu opúsculo O Príncipe, Capítulo XVIII, ao compor-se, literalmente, em cáustica repreensão ao poder, que…
… nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas. Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo…
Alfim, permito-me colacionar o escólio de Alexandre Morais da Rosa, no artigo em realce (item 7), em que define os limites que se devem impor à banalização (diria, com mesura, à permanência e persistência) do repreensível expediente, no que, desde sua irrepreensível locução, pontilha que…
… o desafio do Processo Penal é punir dentro das regras do jogo válido, como sempre diz Aury Lopes Jr. ("Direito Processual Penal". São Paulo: Saraiva, 2021). Do contrário, transforma-se no vale tudo (Processo Penal freestyle), em que o resultado valida a desconformidade de obtenção do meio de prova. O trajeto de obtenção da prova é pressuposto à análise do conteúdo. Deve-se perquirir a: 1) existência; 2) validade; e 3) eficácia (Teste EVE. Guia do Processo Penal Estratégico. Florianópolis: EMais, 2021). O desafio se renova, até porque as conquistas civilizatórias materializadas nas garantias constitucionais não podem depender de contextos fáticos, nem da "boa vontade" dos agentes da lei. Pouco importa, ademais, a boa ou má-fé dos agentes processais. As regras de obtenção de meios de prova garantem a todos. As exceções oportunistas destoam do padrão democrático. Ainda que signifiquem a absolvição de prováveis culpados, trata-se do patamar civilizatório e a sustentação do padrão ético do agir estatal. O esforço de conformidade da investigação e da punição dentro das regras do jogo compõem o desafio contemporâneo do Processo Penal brasileiro…
Di-lo o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal:
A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Diante da ausência de informação sobre existência de drogas no local (residência) e de autorização (não comprovada, por nenhum meio disponível) para ingresso no domicílio, observa-se o desacordo das circunstâncias com o que vem decidindo o colendo Superior Tribunal de Justiça.
Todos os dados de informação (não são prova) foram obtidos por meio ilícito, eis que “… policial só pode entrar na casa de alguém se tiver mandado judicial de busca e apreensão ou se houver fundadas razões de que ocorre flagrante delito no local…” (HC 138.565), o que, não se vislumbra no caso em apreço.
Nessa perspectiva, brilhantemente, leciona a i. Relatora Ministra Daniela Teixeira ao evidenciar que o consentimento do morador apenas será considerado voluntário na hipótese em que ainda não tenha sido preso em flagrante, observe:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. PROVA ILÍCITA. BUSCA DOMICILIAR. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO IDÔNEA DO CONSENTIMENTO E INEXISTÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO. PROVA ILÍCITA. DESENTRANHAMENTO. ABSOLVIÇÃO DOS AGRAVANTES. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. (…) 4. A busca domiciliar, enquanto atentatória à garantia da inviolabilidade de domicílio (art. 5º, inc. XI, da CF) somente pode ser realizada, sem autorização judicial, em duas situações: (a) ocorrência de flagrante delito e (b) consentimento do domiciliado. A primeira hipótese, desde o julgamento do RE 603.616/RO pelo STF, exige a presença de fundadas razões de que, no interior da residência, está ocorrendo um crime. A segunda hipótese, desde o julgamento do HC n. 598.051, pela 6ª Turma do STJ, exige a comprovação idônea do consentimento, por meio de relatório circunstanciado e registro em áudio e vídeo, bem como que seja um consentimento manifestado de forma livre. (...) Ademais, somente a palavra de um policial militar é que embasou a existência de consentimento, razão pela qual não foi devidamente comprovado, e esse consentimento foi manifestado no momento em que o domiciliado já havia sido preso em flagrante, retirando a sua voluntariedade. Portanto, a busca domiciliar também foi ilegal e a prova produzida a partir dela foi ilícita. 6. Desentranhadas as provas ilícitas dos autos, não existem provas da existência do fato e da autoria do crime, sendo de rigor a absolvição dos agravantes. 7. Agravo regimental provido.(STJ - AgRg no HC: 758956 RS 2022/0231076-0, Relator: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 14/05/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)
Original sem negrito.
Ainda, o eminente relator, no excelso Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, leciona, que…
… um dos princípios mais sagrados da Constituição Federal (art. 5º, XI) estabelece a casa como asilo inviolável do cidadão. Em casos como esse, os policiais costumam dizer que foram “convidados” (no caso, autorizados, pois o portão estava aberto) a entrar na casa. Evidentemente que ninguém vai convidar a polícia a penetrar numa casa para que ela seja vasculhada…
Ao descerro, tanto quanto aplicável à espécie, naturalmente, mutatis mutandis, o acórdão a continuação:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016).
(STF - RE: 603616 RO - RONDÔNIA, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 05/11/2015, Pleno, Data de Publicação: DJe-093 10-05-2016)
Dessarte, se o material probatório produzido, sob o crivo do contraditório, não exprime a lisura da atuação dos policiais militares, permanecendo incerteza sobre a realização da busca domiciliar, impõe-se a declaração de sua invalidez pela ilicitude da prova.
O desate, por conseguinte, é somente um, a declaração da ilicitude dos elementos decorrentes desta conduta.
Dessa forma, presentes, ausência de comprovação de fundadas razões para o ingresso no domicílio, contaminante da ação dos policiais militares, e ante a inexistente demonstração de permissão válida, realizado ao líbito dos milicianos, todos os dados são imprestáveis, por ilícitos.
3.2 O comunicado do direito ao silêncio: Aviso de Miranda
Sob outro prisma, não há informação de que durante a atuação policial o apelante teria sido previamente avisado quanto ao direito ao silêncio por parte do agente de segurança pública, antes de eventual confissão informal, o que contraria o disposto no artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal, bem como o nemo tenetur se detegere (art. 8, n. 2, letra g, Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
A questão legitima o Aviso de Miranda, é referir, o direito que o cidadão, seja abordado ou preso, tem de ser cientificado sobre a garantia de permanecer em silêncio e, no Brasil, de que de sua autocontenção nada se pode presumir.
O instituto se originou no caso Erneste Miranda versus (Estado do) Arizona, em 1966, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos fixou tese sobre o direito constitucional ao silêncio.
No julgamento das ADPFs 395 e 444, o excelso Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela impossibilidade de se conduzir coercitivamente os suspeitos de prática de crimes para interrogatório.
Ainda, na RE 1.177.984, a Suprema Corte, pontuou que um “interrogatório travestido de entrevista” viola o direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação, destacando-se que, no caso concreto, ajuizou-se reclamação no STF sob o argumento de que o reclamante foi interrogado pelo Delegado de Polícia sem ter sido informado sobre o seu direito de permanecer em silêncio.
Nesse sentido, o “direito ao silêncio, em sentido amplo”, tem previsão passível de ser extraída não só da Carta Magna, todavia, sobretudo da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, n. 2, al. “g”) e, em consequência, dele decorre o direito fundamental de advertência, ser informado sobre o direito de permanecer em silêncio.
Se à autoridade policial compete informar ao preso suas garantias fundamentais, com muitíssimo (no superlativo) mais razão cabe aos policias militares, quando na abordagem, localizado algum ilícito, darem voz de prisão em flagrante ao agente e, sem nenhuma perplexidez, reportarem-lhe a existência deste direito, inclusive, porque não lhes é consentido realizarem “interrogatório travestido de entrevista”.
Há precedente:
Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Agravo da Procuradoria-Geral da República. 3. Condenação baseada exclusivamente em supostas declarações firmadas perante policiais militares no local da prisão. Impossibilidade. Direito ao silêncio violado. 4. Aviso de Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito. Precedentes. 5. Agravo a que se nega provimento.
(STF - RHC: 170843 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 04/05/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 01/09/2021)
Com efeito.
A questão legitima, ao nível de argumentação não essencial à catástase do que decido, o Aviso de Miranda, é referir, o direito que o cidadão, seja abordado ou preso, tem de ser cientificado sobre a garantia de permanecer em silêncio e, no Brasil, de que de sua autocontenção nada se pode presumir. O instituto se originou no caso Erneste Miranda versus (Estado do) Arizona, em 1966, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos fixou tese sobre o direito constitucional ao silêncio.
Alfim, este precedente qualificado:
Repercussão Geral
Tema 1185 (admissibilidade) - Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não auto-incriminação e do devido processo legal. (RE 1177984 RG)
IV. Tráfico Privilegiado
Incontrovertível, o acerto na desmodulação da pena-base para seu mínimo, ante neutralidade e/ou prestígio das circunstâncias judiciais, vertendo-a para cinco (05) anos de reclusão.
Pontue-se, de logo, que a natureza e a quantidade de drogas ingressam, exclusivamente, neste cálculo, de conformidade com o que determina o artigo 42, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas – LD), redigido nestes termos:
Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Sendo assim, ao método de Nélson Hungria Hoffbauer (art. 68, CP) o legislador especial agregou outros referenciais para a definição da reprimenda basilar (pena-base), dentre os quais a natureza e a quantidade da(s) droga(s) e não para serem utilizados em outros instantes.
O preceptivo é norma de natureza cogente e tem seu norte no núcleo verbal “considerará”, lançado na composição textual no modo indicativo e no tempo futuro do presente, a modelar um comando legislativo indisponível e inexcedível, pois ao julgador não é conferida a possibilidade de desvalorá-lo no referido contexto, é dizer, na composição da primeira fase, no que se concretiza a pena-base.
Logo, sua ponderação se exaure neste primeiro estágio de aplicação da(s) pena(s), a blindar sua utilização nas subsequentes (pena intermediária [segunda fase] e pena definitiva [terceira fase]), sob pena de incorrer-se em iteratio in eodem (bis in idem).
Perfila esta intelecção o que se depreende do subsequente excerto do excelso Supremo Tribunal Federal, em Repercussão Geral:
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 666.334 AMAZONAS
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE.( S ) : ALDINEY FERREIRA FREITAS
ADV.( A / S ) : FREDERICO GUSTAVO TÁVORA
RECDO.( A / S ) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS
PROC.( A / S)(ES ) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS
Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência.
O teor do que decidido, por conseguinte, obstrui a possibilidade de se utilizarem referidos critérios em segmentos distintos do método trifásico de Hungria.
Logo, não é factível valorá-lo a não ser na pena-base.
Com efeito.
O legislador ordinário federal, expressamente, nomeou esses critérios para que se pudesse instituir a delimitação do montante a ser ponderado na incidência do linde tarifário da pena-base e não desta redutora.
A propósito, rigorosamente, para a causa especial de diminuição, não prescreveu nenhum parâmetro e, desse modo, haverá de haver alguma motivação idônea, - e que não sejam a natureza e a quantidade da pena -, a viabilizar a desaproximação da minorante máxima (dois terços – 2/3).
Os vetores utilizados por juízes e tribunais transcendem da normatização infraconstitucional respectiva, eis que o fazem reusando aqueles que nortearam a fixação da reprimenda pedestal (pena-base – bis in idem) ou o removem, changer la lettre de la loi (alterando a letra da lei), para que incidam em outro metâmero da fixação da pena.
O procedimento emoldura a possibilidade de estarem sendo estabelecidos métodos hermenêuticos aptos a encaixilharem a opção de transposição dos critérios da pena-base para a final, em uma espécie de legislador positivo ou de incursionarem, de plus en plus (outra vez), na (re)utilização dos mencionados fundamentos, no que se infringe o princípio non bis in idem, instituído, desde sempre, de um lado, como refreio ao poder punitivo estatal, de outro, como reafirmação dos direitos e garantias de seu súdito e, alfim, para impedir que o perseguido em juízo seja penalizado mais de uma vez pelo mesmo fundamento fático-jurídico.
A legislação positivada não proporciona os referenciais exegéticos utilizados para obliterar a incidência do redutor mais amplo e, em princípio, não o devem fazer os que a concretizam.
Sendo assim, resulta inviável não reconhecer a incidência do privilégio e não decotá-lo em seu vetor máximo, é dizer, dois terços (2/3), uma vez que o Apelante preenche todos os requisitos estabelecidos no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
V. Dosimetria das penas
No que concerne à dosimetria, de verificar-se, que carece de algum reparo, note-se (mov. 133):
(…) Considerando o princípio da individualização da pena e o modelo trifásico de aplicação da sanção, consubstanciados nos arts. 5º, XLVI, da Constituição da República e 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena. Para a fixação da pena-base, analiso as circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59, do Código Penal: a) culpabilidade: a conduta e o delito praticados pelo acusado não extrapolam o que normalmente acontece no crime em questão; b) antecedentes: são favoráveis, conforme se depreende da certidão de antecedentes criminais (ff. 74/75, 274/275 e 305/306 movimentações n.os 5, 93 e 116); c) conduta social do agente: não existem nos autos elementos para avaliação, razão pela qual deixo de valorá-la; d) personalidade do agente: como não há laudo psicossocial do réu, inexistem elementos para a aferição de sua personalidade, razão pela qual deixo de valorar a circunstância; e) motivos do crime: na hipótese, percebo que as causas que motivaram o agente são inerentes ao tipo penal; f) circunstâncias do crime: são as inerentes ao tipo penal, sendo então, a circunstância judicial favorável ao acusado; g) consequências do delito: são as inerentes ao tipo; h) comportamento da vítima: a vítima em nada contribuiu para o desfecho do delito. O delito em questão, prevê pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, e o pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Assim, ante a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis a serem valoradas nesta etapa, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e presente a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (confissão espontânea). Assim, reconheço a mesma, contudo, em observância à Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiçal, mantenho a pena intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. Na terceira fase, ausentes causas de aumento e de diminuição de pena, mantenho a pena em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, a qual torno definitiva. Pelo conteúdo dos autos, e com base no art. 43 da lei n.º 11.343/2006, fixo o valor do dia-multa em 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato. Assevero, todavia, que à época da execução, a pena de multa deverá ser corrigida, nos termos do art. 49, § 2º do Código Penal. Em cumprimento a orientação da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás (Ofício-Circular n.º 96/2015-SEC), determino o recolhimento do valor fixado para o pagamento da pena de multa, em favor do Fundo Penitenciário do Estado de Goiás – FUNPES/GO. Na sequência, com amparo no artigo 33, § 2°, “b”, do Código Penal, observado o quantum de pena privativa de liberdade fixada e o fato do acusado não ser reincidente, fixo o regime SEMIABERTO para cumprimento da pena. (…)
De sua leitura, depreende-se que o colega insular, na 1ª (primeira) fase, ao analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sopesou, de maneira correta, os vetoriais, fixando a pena-base no mínimo legal, a saber, 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na 2ª (segunda) fase, o colega insular, apesar de reconhecer a ocorrência da circunstância atenuante da confissão espontânea, deixou de aplicá-la nos termos da Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo correto sinalar que no dia 14 de agosto próximo pretérito, no eito do Recurso Especial Nº 1869764 – MS (2019/0239239-9), convalidou-se a eficácia de seu enunciado (“a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”), por maioria de votos, pela Terceira Seção (3ª Seção).
As razões para seu cancelamento, concessa venia, são inexcedíveis, em especial porque os referenciais epistêmicos utilizados para validar sua permanência sinalizam para uma hospedagem de argumentos que se situam nos perímetros de ordem empírica, ábditos dos pressupostos substanciados na criação da trilogia de Hungria.
O enunciado 231, do STJ e o Tema 158, do Supremo Tribunal Federal (STF), aquele, doravante, sob a natureza de precedente vinculativo, deve ser seguido, até que seja revista a matéria por eles regida.
Sendo assim, embora a pena intermediária devesse estabilizar-se em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses, ante o imperativo decote de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base, segue, entretanto, cristalizada em 05 (cinco) anos.
Na 3ª (terceira) fase, o n. magistrado primevo deixou de aplicar o benefício constante no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, embora o apelante preenchesse todos os requisitos. Dessa forma, DECOTO de suas penas a fração de 2/3 (dois terços) e, inocorrentes causas de aumento de pena, FIXO A DEFINITIVA em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, além do pagamento de 167 (cento e sessenta e sete) dias-multa, no regime inicial aberto (art. 33, § 2º, al. “c”, CP).
Presentes os requisitos do artigo 44, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário-mínimo, em termos e condições a serem estabelecidas pelo Juízo da Execução Penal.
V. Da Gratuidade Judiciária
Requestou também a concessão/manutenção de assistência judiciária na forma da lei, bem como afastamento/redução da pena de multa, visto que não possui condições de arcar com as custas processuais.
Acerca do assunto, o Superior Tribunal de Justiça em jurisprudência, tese - edição 148, consolidou o entendimento de que “Em se tratando de ação penal pública, compete ao Juízo da Execução Penal a análise do estado de miserabilidade jurídica do condenado, visando à concessão do benefício de gratuidade da justiça”.
Ademais, “A concessão do benefício de gratuidade da justiça não exclui a possibilidade do acusado ao pagamento de custas processuais, mas tão somente a suspensão de sua exigibilidade pelo prazo de cinco anos (art. 804 do Código de Processo Penal – CPP)”.
Logo, tal pleito deve ser formulado ao juízo da execução, conforme previsto no artigo 66, inciso III, “f”, da Lei 7.210/1984, por ser o momento adequado para verificar a real situação econômica do condenado.
Dispõe julgado desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1) Comprovadas a materialidade e autoria do crime de furto simples, mister manter-se a condenação. EXCLUSÃO E REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. 2) Inviável a exclusão da pena de multa, pois constitui sanção contida no preceito secundário dos tipos penais violados, não estando na esfera de disponibilidade do sentenciante, podendo seu parcelamento ser pleiteado no juízo da execução penal. 3) Reduz-se a pena de multa, pois que ela há de guardar proporcionalidade com a corpórea. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE. 4) A fase de execução é o momento adequado para aferir a real situação financeira do condenado a fim de se conceder o benefício da justiça gratuita. Precedentes do STJ e TJGO. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA, APENAS PARA REDUZIR A PENA DE MULTA.
(4ª CâmCrim., rel. Desembargador Wild Afonso Ogawa, ACrim n° 5777604-80.2022.8.09.0011, julgada e publicada em 06/11/2023).
Ao teor dessas ponderações, ACOLHO parcialmente o parecer ministerial de cúpula, CONHEÇO do apelo e DOU-LHE PARCIAL provimento, para aplicar o instituto do tráfico privilegiado e, de consequência, redimensionar as penas, bem como RECONHECER a ilegalidade, tão somente, da busca domiciliar interprendida, bem como das provas dela derivadas (art. 157, § 1º, CPP), DECLARANDO, assim, a NULIDADE de todas elas, nos termos do artigo 564, inciso IV, do Diploma de Procedimentos Penais
É como voto.
Goiânia – GO (datação conforme assinatura eletrônica).
(assinatura eletrônica - art. 1º, § 2º, inciso III, Lei 11.419/2006)
Desembargador LINHARES CAMARGO Relator
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A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão presencial, à unanimidade de votos, acolhendo parcialmente o parecer ministerial de Cúpula, para CONHECER do apelo e DAR-LHE PARCIAL provimento, nos termos do voto do relator, proferido no extrato da ata de julgamento.
Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Adegmar José Ferreira.
Procuradoria-Geral de Justiça representada conforme extrato da ata.
Goiânia – GO (datação conforme assinatura eletrônica).
(assinatura eletrônica - art. 1º, § 2º, inciso III, Lei 11.419/2006)
Desembargador LINHARES CAMARGO
Relator
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